domingo, 15 de janeiro de 2012

A luz da natureza vindoura

Guamaré, Guamaré, onde ás árvores não ficam mais em pé, onde o homem pisa com fé, não olhando ao seu redor, o que ocorre próximo de seus pés.

Às pessoas desavisadas, que ficam atacando as matas, descuidando das águas, pensando que sua vida está calma, e tranquila como às águas.

Àqueles que vivem sonhando com a vida almejada, se esquecendo da montidão de água, que nos circundam junto com às matas, e nos dá a tão sonhada calma.

Calma essa temporária, quando não há ondas e chuvaradas, que atrapalham e ensaiam, uma nova esperança, de uma nova vida nas matas.

Em nossas ruas, becos e calçadas, nos deparamos com a difícil jornada, semanal e diária, de melhorarmos a cidade, sem afetar a mata e às águas, e trazendo uma nova e pensada, idéia de mudança aguardada.

O sol que todos os dias nos abençoa, e nos trás a vida e nos doa, a sua energia vital e duradoura, a força necessária para caminharmos em direção a uma outra e merecedora, idéia de um mundo melhor e em paz e equilíbrio com a natureza vindoura.

Alessandro de Oliveira Arantes

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Leituras Críticas - Artigo: Discurso Literário de Dominique Maingueneau

DISCURSO LITERÁRIO DE DOMINIQUE MAINGUENEAU

Prof. Dr. Luciano Barbosa Justino

(MLI/UEPB)

MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. São Paulo: Contexto, 2006, 325 p.

Publicação mais recente do autor, Discurso literário tem muito a dizer a respeito do diálogo intercultural, tema norteador deste número de Sociopoética, pois propõe uma metodologia de abordagem da literatura que visa expandir suas fronteiras analíticas na medida em que supõe uma visão interdiscursiva e interdisciplinar do texto literário com o intuito de apreender “os enunciados por meio da atividade social que os sustenta, remetendo as palavras a lugares, distribuindo o discurso numa multiplicidade de gêneros cujas condições de

possibilidade, rituais e efeitos têm de ser analisados” (p. 37). A própria noção de paratopia implica um interrupto diálogo que supõe a cooperação entre diferentes metodologias e o cruzamento de diversos campos do saber. A crítica tanto às análises textualistas quanto sociologistas da literatura é para Maingueneau um convite à filosofia, à midiologia, à lingüística, à ciência política, aos estudos culturais, sem abdicar das conquistas da sociocrítica e da poética. Intenta compreender a literatura não apenas em seus aspectos extraliterários, mas articulados a uma abordagem que toma o texto literário como um discurso: Em vez de relacionar as obras com instâncias bastante afastadas da literatura (classes sociais, mentalidades, eventos históricos, psicologia individual etc.), refletir em termos de discurso nos obriga a considerar o ambiente imediato do texto (seus ritos de escrita, seus suportes materiais, sua cena de enunciação...) (p. 44).

Nota-se a amplitude da noção de discurso do autor a partir da noção de “ambiente imediato do texto” e a articulação de diversas instâncias que rompem com a visão romântica e modernista da literatura. Não obstante as inegáveis conquistas de uma “ciência da literatura” advinda da pesquisa formal, a modernidade literária parece esgotar seus potenciais críticos em virtude do fechamento a que submete a “obra-prima”, que acaba por exaltar a singularidade do criador e minimiza o papel dos destinatários e do caráter institucional da literatura (p. 89). As aberturas que permitem ao autor sua instigante e porosa, podemos dizer, metodologia múltipla e multiplicadora são colhidas no dialogismo de Mikhail Bakhtin, na Estética da Recepção, na midiologia de Régis Debray, nos estudos sobre história da escrita de Roger Chartier, na “arqueologia” de Michel Foucault, na teoria do “campo” e do habitus de Pierre Bourdieu.

Para evitar uma improdutiva dispersão, a análise do discurso sustém e faz convergirem as diversas contribuições. Maingueneau lança as bases de uma visão da literatura como interação entre diversas instâncias extradiscursivas, como o fez Pierre Bourdieu e Pascale Casanova, mas vai além na medida em que a análise do discurso lhe permite não esquecer da dimensão propriamente semiótica da literatura. A análise do discurso possibilita observar o quanto as instâncias extradiscursivas estão inscritas no enunciado literário, sobretudo sob a forma daquilo que o autor chama de “cenografia” e “ethos”, como se verá mais adiante.

Estas questões de método e de revisão crítica são objetos do primeiro capítulo “As condições de uma análise do discurso literário”. Mais cinco capítulos compõem o livro: 2) Discursos constituintes; 3) Paratopia; 4) O posicionamento; 5) Mídium e gêneros do discurso; 6) A cena de enunciação.

A noção de literatura como discurso constituinte, objeto do segundo capítulo, além de fundamentar a ruptura com as noções românticas e modernistas do texto literário para fins de abertura, propõe a literatura como discurso auto-legitimador, ligado a uma rede complexa de textos, de agentes e de modos de circulação. Discurso constituinte “designa fundamentalmente os discursos que se propõem como discursos de Origem, validados por uma cena de enunciação que autoriza a si mesma” (p. 60). Assim, todo discurso constituinte só existe e só exerce seu poder e sua efetiva circulação na sociedade se for constituído por uma “Instituição discursiva”. Assim o autor define a instituição literária:

A noção de instituição literária designa a vida literária (os artistas, os editores, os prêmios etc.). Podemos ampliar seu domínio de validade, como o fazem muitos sociólogos, levando em conta o conjunto de quadros sociais da atividade dita literária, tanto as representações coletivas que se tem dos escritores, como a legislação (por exemplo, sobre os direitos autorais), as instâncias de legitimação e de regulação da produção, as práticas (concursos e prêmios literários), os usos (envio de um original a um editor...), os habitus, as carreiras previsíveis e assim por diante. Essa ampliação do campo de visão promoveu uma profunda renovação da concepção que se pode ter do discurso literário (p. 53).

A instituição literária, portanto, é bem mais do que os estudos de poética têm observado. Fica clara a necessidade de pesquisas que integrem diversos métodos e diversas disciplinas. Se os estudos literários “puros”, como chama o autor aos estudos ligados ao formalismo, à nova crítica e ao estruturalismo, já não conseguem dar conta da pluralidade de usos da literatura, o método proposto pelo autor só pode alcançar a obra na confluência e na contribuição, inclusive dos estudos de poética. Para as ciências do homem tornou-se urgente “compreender o compreender”, sugestiva formulação de Pierre Bourdieu, e para a literatura e os estudos literários implica situar o texto no mundo, “encarná-lo” (a expressão é de Maingueneau), observar os próprios critérios de observação, os posicionamentos, a rede de aparelhos mnemotécnicos que suportam e fazem transitar os textos, a relação entre a memória e os discursos de legitimação e práticas de esquecimento. As obras literárias, os arquivos e as livrarias só podem funcionar neste contexto, do qual não é possível sair: Ainda que a obra tenha a pretensão de ser universal, sua emergência é um fenômeno fundamentalmente local, e ela só se constitui por meio das normas e relações de força dos lugares em que surge. É nesses lugares que ocorrem verdadeiramente as relações entre o escritor e a sociedade, o escritor e sua obra, a obra e a sociedade (p. 94).

É no conceito de paratopia que Maingueneau situar as relações entre o escritor e a sociedade, o escritor e sua obra, a obra e a sociedade. São três as formas de paratopia: 1) espacial, que implica na relação do escritor com o campo literário; 2) temporal, a posição do escritor em relação aos seus contemporâneos; 3) linguística, o modo como a obra aciona e negocia com o arquivo.

Nem suporte nem quadro, a paratopia envolve o processo criador, que também a envolve: fazer uma obra é, num só movimento, produzi-la e construir por esse mesmo ato as condições que permitem produzir essa obra. Logo, não há “situação” paratópica exterior ao processo de criação: dada e elaborada, estruturante e estruturada, a paratopia é simultaneamente aquilo de que se precisa ficar livre por meio da criação e aquilo que a criação aprofunda; é a um só tempo aquilo que cria a possibilidade de acesso a um lugar e aquilo que proíbe todo pertencimento. Intensamente presente e intensamente ausente deste mundo, vítima e agente de sua própria paratopia, o escritor não tem outra saída que a fuga para a frente, movimento de elaboração da obra (p. 109).

Em O contexto da obra literária, o autor assim se refere à paratopia:

A pertinência ao campo literário não é, portanto, a ausência de qualquer lugar, mas antes uma negociação difícil entre o lugar e o não-lugar, uma localização parasitária que vive da própria impossibilidade de se estabilizar. Essa localidade paradoxal, vamos chamá-la paratopia (p. 28). A situação paratópica do escritor leva-o a identificar-se com todos aqueles que parecem escapar às linhas de divisão da sociedade: boêmios, mas também judeus, mulheres, palhaços, aventureiros, índios da América..., de acordo com as circunstâncias. Basta que na sociedade se crie uma

estrutura paratópica para que a criação literária seja atraída para sua órbita. M. Bakhtin mostrou desse modo o importante papel que a contracultura “carnavalesca”, que pela irrisão visava subverter a cultura oficial, desempenhou para a criação literária. Os extravasamentos pontuais da festa dos loucos, assim como a literatura que nela se apóia, não têm realmente um lugar designado na sociedade, tiram sua força de sua marginalidade (p. 36).

É a paratopia que une o escritor, a obra, o campo literário, os destinatários, pois é a condição de enunciação e seu produto.. É ela mesma que faz a ponte entre a obra e a existência, “a obra só pode surgir se, de uma ou de outra maneira, conseguir tomar forma numa existência que é ela mesma moldada para que essa obra nela advenha” (p 117). Embora o conceito de paratopia tenha um forte traço modernista, na medida em que significa um pertencimento sempre instável, movente, que reforça a idéia do escritor maldito advindo de Baudelaire, na argumentação de Maingueneau há uma mudança importante no aspecto paratópico da literatura em relação àquilo que escreveu nO contexto da obra literária. O caráter paradoxal do discurso paratópico, e em última análise de todo discurso constituinte, não é mais atribuído, como no livro anterior, à literatura em sua totalidade, mas só a certos escritores, a certas obras e a certos contextos particulares. Melhor dizendo, determinados momentos históricos são radicalmente paratópicos, como os finais do século XIX e inícios século XX, mas a literatura como um todo é um campo relativamente estável, sem grandes sustos ou sobressaltos. Maingueneau não propõe um retorno ao biografismo, mas não afasta por completo, como se viu, a obra das posições que o escritor tem que assumir no campo literário e na sociedade, e este é um dos aspectos mais instigantes do livro de Maingueneau, pois permite ultrapassar as visões ainda dominantes da literatura como “obra-prima”, além e acima da contingência histórica que lhe deu vida e que é em última análise seu substrato.

Outro ponto importante de Discurso literário é a mídia, que o autor prefere chamar de “mídium”. A mídia, numa acepção ampliada, implicando meios de comunicação, mas sobretudo em sentido estrito remetendo ao suporte e ao circuito do signo, foi sempre negligenciada pela literatura. Prova disso é que o debate sobre o oral e o escrito, crucial para qualquer discussão em profundidade da literatura, raramente foi tratada levando a sério as propriedades mnemotécnicas sem as quais não há linguagem alguma. O mídium não é supérfluo para a literatura, como provam a midiologia de Régis Debray e Daniel Bougnoux, as pesquisas sobre a poesia grega anterior ao alfabeto fonético de Eric Havelock, os estudos de Walter Ong sobre as diferenças antropológicas entre oralidade e escrita, a performatividade da voz estudadas por Paul Zumthor, as recentes descobertas da história da escrita. Sobre isso afirma Maingueneau:

O interesse pelos suportes materiais da enunciação é recente. Sem dúvida não faltaram eruditos para estudar as técnicas de imprensa, mas os literatos “puros”, aqueles que se encarregam da interpretação das obras, consideravam mais as narrativas do que as técnicas tipográficas, mais os romances por carta do que os sinetes de cera ou os modos de envio pelo correio. Não obstante, para tornar pensável o surgimento de uma obra, sua relação com o mundo no qual surge, não podemos separá-la de seus modos de transmissão e de suas redes de comunicação (p. 212).

Por fim, o mídium pode sugerir uma quarta dimensão da paratopia, embora o autor não faça tal sugestão, senão, sendo possível pensar a mídia na dupla acepção de meio ambiente e meio de transporte, o espaço para onde confluem todas as demais paratopias, aquilo que contém o que o Maingueneau chama de ethos e que está na culminância das demais questões abordadas no livro:

A noção de ethos permite ainda refletir sobre o processo mais geral de adesão dos sujeitos ao ponto de vista defendido por um discurso, processo particularmente evidente no caso de discursos como a publicidade, a filosofia, a literatura, a política etc., que – diferentemente dos que são parte de gêneros “funcionais” como os formulários administrativos ou os manuais de instruções – devem conquistar um público que tem o direito de ignorá-los ou recusá-los. Todo texto escrito, ainda que a negue, possui uma vocalidade específica que permite remete-lo a uma caracterização do corpo do enunciador (e não, está claro, do corpo do locutor extradiscursivo), a um fiador que, por meio de seu tom, atesta o que é dito; o termo tom” tem a vantagem de valer tanto para o escrito como para o oral. Isso significa que optamos por uma concepção primordialmente “encarnada” do ethos, que, dessa perspectiva, abrange não apenas a dimensão verbal, mas igualmente o conjunto de determinações físicas e psíquicas vinculadas “ao fiador” pelas representações coletivas (p. 271).

e

O ethos constitui, assim, um articulador de grande polivalência. Recusa toda separação entre o texto e o corpo, mas também entre o mundo representado e a enunciação que o traz: a qualidade do ethos remete a um fiador que, através de ethos, proporciona a si mesmo uma identidade em correlação direta com o mundo que lhe cabe fazer surgir. Encontramos aqui o paradoxo de toda cenografia: o fiador que sustenta a enunciação deve a legitimar por meio de seu próprio enunciado. Supõe-se que a enunciação da obra representa um mundo de que essa enunciação é na verdade parte: as propriedades “carnais” da enunciação são tomadas da mesma matéria que o mundo por ela representado (p. 278).

Talvez seja esta “encarnação”, que é também uma ética em profundidade da escrita, que toda grande abordagem da literatura deve buscar. Para tanto, o livro de Maingueneau serve de, no mínimo, um fecundo impulsionador. No que diz respeito ao diálogo intercultural, Discurso literário vem cobrir uma lacuna de metodologias eficazes para dar conta da abertura que a abordagem contemporânea do texto literário exige. Permite evitar o risco de sobrevoos generalizantes e afastados das propriedades semióticas da literatura, comum entre os culturalistas e os sociologistas, ainda dominantes no estabelecimento das relações entre os estudos literários e outras disciplinas.

Discurso literário supõe uma visão interdisciplinar, em rede para se falar nos termos de hoje, mas sem abdicar de uma profunda disciplinaridade, de uma aguda consciência da especificidade da literatura. Assim, a abertura para o Outro, um imperativo ético da teoria literária em tempos pós-modernos, tem que estar inserida na autocrítica do Um. À “instituição literária” não basta ir buscar novos convivas lá fora, tem que também compreender os pressupostos que a faz por dentro. O campo literário não resolve seu impasse contemporâneo esquecendo de si mesmo e de seus vícios, mas os verticalizando num diálogo que deve ser sobretudo inter, capaz de ver a si em interação complexa com os outros: discursos, suportes, circuitos, agentes. O livro de Maingueneau diz muito sobre isso.