quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ode: Terra árida

Água,
Um pouco de água da chuva,
Para acalmar essa secura,
Nessa terra árida,
Que os rios não desaguam.
A vida desfalece,
Com a água que nos falta.

Nesse dias de seca,
Com o calor que aumenta,
As plantas secam,
E a consciência pesa,
Com essa secura severa.

A paciência que não aguenta,
Essa longa espera,
De uma chuva completa,
Para umedecerem às terras,
Enverdecendo às relvas,
Com a tão esperada nevoada.

Trazendo de volta à esperança,
De uma nova aliança,
No verdor nos campos,
Com as terras aguadas,
Ver a vida enfim retornada.

(ARANTES. A. O.)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A geração de 45 e outras fases da literatura moderna

A Semana de Arte Moderna de 1922 teve como objetivo principal buscar nas raízes brasileiras e urbanas uma arte legitimamente nacional e cosmopolita.

Desse movimento artístico-cultural surgem muitas figuras artísticas da época. Na literatura destacam-se Mário e Oswald de Andrade; Tarsila do Amaral e Cândido Portinari na pintura; Brecheret, na escultura; Heitor Villa-Lobos, na música; no cinema nacional da época, Ademar Gonzaga, com a revista Cinearte (1926).

No Brasil durante a fase que ficou conhecida como Getulismo, ocorreram fatos que produziram benefícios e malefícios para a sociedade civil. Essa época ficou marcada pela concessão que o então Presidente da República da época, Getúlio Vargas, fez à classe operária, também à política trabalhista de mobilização e controle das massas. Nesse período o país estava entrando numa das fases mais sombrias da era Vargas, quando o governo central passou a adotar medidas enérgicas, ao aprovar a Lei de Segurança Nacional, em 1935, causando problemas aos opositores do governo, fazendo com que eles se agrupassem em torno da Aliança Nacional Libertadora. A resposta do governo foi breve, e em 1937 foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda, que teve como objetivo principal, ter controle absoluto sobre a imprensa, instaurando a censura prévia, em que ela era usada como método de controle, decidindo o que podia e o que não podia ser publicado, influenciando a opinião pública a favor do governo.

As artes de maneira geral procuravam seguir seu próprio caminho, passando a se organizar em grupos e companhias, primeiro com a companhia teatral de Procópio Ferreira; com o filme A Voz do Carnaval, em que Carmem Miranda, por exemplo, fica famosa. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer chamam a atenção para a arquitetura brasileira, que estava começando trilhar um caminho de sucesso. Nessa época começam a surgir e tornarem-se conhecidos os romances regionalistas e estudos relacionados à sociedade brasileira. Destacam-se nesse período Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Gilberto Freire.

Nas décadas de 40 e 50, a literatura brasileira começa a traçar novos rumos. Na prosa, surgem tendências diferentes do romance regionalista, a prosa psicológica e introspectiva e os contos intimistas. Seguindo essa tendência, Lygia Fagundes Telles se fixou nessa nova prosa que estava surgindo. Ela desenvolveu uma postura muito próxima à de Clarice Lispector.

A literatura dos anos cinqüenta retoma e transforma o regionalismo, enveredando por caminhos experimentais, particularmente com Guimarães Rosa. Em 1956, é eleito Juscelino Kubitschek, com um governo mais voltado para o desenvolvimento industrial, visando provocar a entrada de capitais estrangeiros, durante seu governo. Nasce Brasília, a nova capital do país. Passado o governo de Juscelino, foi eleito Jânio Quadros, que teve um governo rápido como um meteoro, tendo que renunciar após instaurar alterações na política, forçando o então vice-presidente João Goulart a assumir.

Nos anos 60, floresce o movimento Hippie. Nesta época iniciaram-se e se tornaram famosos os festivais de música popular brasileira, consagram-se vários nomes entre eles Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso, além do Tropicalismo dos baianos e da Jovem Guarda de Roberto Carlos. Enquanto isso, no cenário político brasileiro, muda-se os governos militares. Nessa época surge O Pasquim, considerado o primeiro jornal alternativo, por se opor aos regimes em vigência naquele período. O jornal foi muito bem aceito pela sociedade, proporcionando a sua circulação do mesmo em todo país.

Finalmente, nos anos 70, o Brasil começa a ser visto como um país em transformação. Houve a abertura política, o fim do regime de exceção e a anistia. Também foi a época em que afloram e se tornam famosas as obras de Lygia Fagundes Telles.


Referências


ARANTES, Alessandro de Oliveira. Aspectos dialógicos em "O moço do saxofone", / Alessandro de Oliveira Arantes. Macau, RN, 2011. 51p.

domingo, 13 de novembro de 2011

Gêneros textuais: definição e funcionalidade

Luiz Antônio Marcuschi

1. Gêneros textuais como práticas sócio-históricas

Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são fenômenos histó­ricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comu­nicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apre­sentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveisl. dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio­culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.
Quanto a esse último aspecto, uma simples observação histórica do surgimento dos gêneros revela que, numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética por volta do século VII A. c., multiplicam-se os gêneros, surgindo os típicos da escrita. Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros expan­dem-se com o flores cimento da cultura impressa para, na fase intermediária de industrialização iniciada no século XVlII, dar início a uma grande ampliação. Hoje, em plena fase da denominada cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o rádio, a TV e, particularmente o computador pessoal e sua aplicação mais notável, a intemet, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
Isto é revelador do fato de que os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracteri­zam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio­pragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas. Quase inúmeros em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e, assim como surgem, podem desaparecer.
Esta coletânea traz estudos sobre uma variedade de gêneros textuais relacio­nados a algum meio de comunicação e analisa-os em suas peculiaridades organizacionais e funcionais, apontando ainda aspectos de interesse para o trabalho em sala de aula. Neste contexto, o presente ensaio caracteriza-se como uma introdução geral à investigação dos gêneros textuais e desenvolve uma bateria de noções que podem servir para a compreensão do problema geral envolvido. Certamente, haveria muitas outras perspectivas de análise e muitos outros caminhos teóricos para a definição e abordagem da questão, mas tanto o exíguo espaço como a finalidade didática desta breve introdução impedem que se façam longas incursões pela bibliografia técnica hoje disponível.

2. Novos gêneros e velhas bases

Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propi­ciaram o surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propria­mente as tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails), bate-papos virtuais, aulas virtuais e assim por diante.
Seguramente, esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais cria­ções ab ovo, sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin [1997] que falava na 'transmutação' dos gêneros e na assi­milação de um gênero por outro gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade com a conversação que lhe pré-existe, mas que, pelo canal telefônico, realiza-se com características próprias. Daí a dife­rença entre uma conversação face a face e um telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail (correio eletrônico) gera mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes os seus antecessores. Contudo, as cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades próprias, como se verá no estudo sobre gêneros emergentes na rnídia virtual.
Aspecto central no caso desses e outros gêneros emergentes é a nova relação que instauram com os usos da linguagem como tal. Em certo sentido, possi­bilitam a redefinição de alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como por exemplo a relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda mais as suas fronteiras. Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua. Esses gêneros também permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das publicidades, por exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática dos formatos de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já têm um determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo e funcional permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos.
Quanto a este último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros tex­tuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou lingüísticos, e sim por aspectos sócio-comunicativos e funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a forma. Pois é evidente, como se verá, que em muitos casos são as formas que determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções. Contudo, haverá casos em que será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o gênero presente. Suponhamos o caso de um determinado texto que aparece numa revista científica e constitui um gênero denominado "artigo científico"; imagi­nemos agora o mesmo texto publicado num jornal diário e então ele seria um "artigo de divulgação científica". É claro que há distinções bastante claras quanto aos dois gêneros, mas para a comunidade científica, sob o ponto de vista de suas classificações, um trabalho publicado numa revista científica ou num jornal diário não tem a mesma classificação na hierarquia de valores da produção científica, embora seja o mesmo texto. Assim, num primeiro momento podemos dizer que as expressões "mesmo texto" e "mesmo gênero" não são automatica­mente equivalentes, desde que não estejam no mesmo suporte. Estes aspectos sugerem cautela quanto a considerar o predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de um gênero.

3. Definição de tipo e gênero textual

Aspecto teórico e terminológico relevante é a distinção entre duas noções nem sempre analisadas de modo claro na bibliografia pertinente. Trata-se de distinguir entre o que se convencionou chamar de tipo textual, de um lado, e gênero textual, de outro lado. Não vamos aqui nos dedicar à observação da diversidade terminológica existente nesse terreno, pois isso nos desviaria muito dos objetivos da abordagem.
Partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbal­mente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar ver­balmente a não ser por algum texto. Em outros termos, partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Essa posição, defendida por Bakhtin [1997] e também por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais. Esta visão segue uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Afirma o caráter de indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da língua, o que equivale a dizer que a língua não é vista como um espelho da realidade, nem como um instrumento de representação dos fatos.
Nesse contexto teórico, a língua é tida como uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a realidade, sem contudo cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo. Fugimos também de um realismo externalista, mas não nos situamos numa visão subjetivista. Assim, toda a postura teórica aqui desenvolvida insere-se nos quadros da hipótese sácio-interativa da língua. É neste contexto que os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o' de algum modo.
Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais sem grande complicação técnica, trazemos a seguir uma defi­nição que permite entender as diferenças com certa facilidade. Essa distinção é fundamental em todo o trabalho com a produção e a compreensão textual. Entre os autores que defendem uma posição similar à aqui exposta estão Douglas Biber (1988), John Swales (1990.), Jean-Michel Adam (1990), Jean­Paul Bronckart (1999). Vejamos aqui uma breve definição das duas noções:

(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instru­ções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por compu­tador, aulas virtuais e assim por diante.

Para uma maior visibilidade, poderíamos elaborar aqui o seguinte quadro sinóptico:

TIPOS TEXTUAIS

1. constructos teóricos definidos por proprieda­des lingüísticas intrínsecas;

2. constituem seqüências lingüísticas ou se­qüências de enunciados e não são textos empíricos


3. sua nomeação abrange um conjunto limita­do de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

4. designações teóricas dos tipos: narração, argu­mentação, descrição, injunção e exposição

GÊNEROS TEXTUAIS

1. realizações lingüísticas concretas defini­das por propriedades sócio-comunicativas;

2. constituem textos empiricamente realiza­dos cumprindo funções em situações comuni­cativas;


3. sua nomeação abrange um conjunto aber­to e praticamente ilimitado de designações con­cretas determinadas pelo canal, estilo, conteú­do, composição e função;

4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhe­te, aula expositiva, reunião de condomínio, ho­róscopo, receita culinária, bula de remédio, lis­ta de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, con­ferência, carta.eletrônica, bate-papo virtual, au­las virtuais etc.

Antes de analisarmos alguns gêneros textuais e algumas questões relativas aos tipos, seria interessante definir mais uma noção que vem sendo usada de maneira um tanto vaga. Trata-se da expressão domínio discursivo.

(c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou ins­tância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em particu­lar, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas den­tro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes} lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas.

Veja-se o caso das jaculatórias, novenas e ladainhas, que são gêneros exclu­sivos do domínio religioso e não aparecem em outros domínios. Tome-se este exemplo de uma jaculatória que parecia extinta} mas é altamente praticada por pessoas religiosas.

Exemplo (1) jaculatória (In: Rezemos o Terço. Aparecida} Editora Santuário, 1977, p.54)
Senhora Aparecida, milagrosa padroeira, sede nossa guia nesta mortal carreira!
á Virgem Aparecida, sacrário do redentor, dai à alma desfalecida vosso poder e valor. á Virgem Aparecida, fiel e seguro norte, alcançai-nos graças na vida, favorecei-nos na morte!
A jaculatória é um gênero textual que se caracteriza por um conteúdo de grande fervor religioso} estilo laudatório e invocatório (duas seqüências injuntivas ligadas na sua formulação imperativa)} composição curta com poucos enunciados, voltada para a obtenção de graças ou perdão} a depender da circunstância.
Em relação às observações teóricas acima, deve-se ter o cuidado de não confundir texto e discurso como se fossem a mesma coisa. Embora haja muita discussão a esse respeito} pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos} os textos realizam discursos em situações institucionais} históricas, sociais e ideológicas. Os textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações lingüísticas} sociais e cognitivas} segundo Robert de Beaugrande (1997).
Observe-se que a definição dada aos termos. aqui utilizados é muito mais operacional do que formal. Assim} para a noção de tipo textual predomina a identificação de seqüências lingüísticas típicas como norte adoras; já para a noção de gênero textual} predominam os critérios de ação prática} circulação sócio-histórica} funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam. Importante é perceber que os gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.

4. Algumas observações sobre os tipos textuais

Em geral, a expressão "tipo de texto", muito usada nos livros didáticos e no nosso dia-a-dia, é equivocadamente empregada e não designa um tipo, mas sim um gênero de texto. Quando alguém diz, por exemplo, "a carta pessoal é um tipo de texto informa!", ele não está empregando o termo "tipo de texto" de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero textual, assim como um editorial, horós­copo/ receita médica, bula de remédio, poema, piada, conversação casual, entrevista jomalística, artigo científlco, resumo de um artigo, prefácio de um livro. É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Veja-se o caso da carta pessoal, que pode conter uma seqüência narrativa (conta uma historinha), uma argu­mentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma si­tuação) e assim por diante.
Já que mencionamos o caso da carta pessoal, tomemos este breve exemplo de uma carta entre amigos. Aqui foram suprimidos alguns trechos e mudados os nomes e as siglas para não identificação dos atores sociais envolvidos:
Exemplo (2): NELFE-003 - Carta pessoal

Seqüências tipológicas
Descritiva

Injuntiva


Descritiva




Expositiva








Narrativa



Expositiva






Narrativa

Injuntiva

Expositiva




Injuntiva

Gênero textual: carta pessoal
Rio, 11/08/1991

AmigaA.P.
Oi!

Para ser mais preciso estou no meu quarto, escreveno na escrivaninha, com um Micro System ligado na minha frente (bem alto, por sinal).

Está ligado na Manchete FM - ou rádio dos funks - eu adoro funk, principalmente com passos marcados.
Aqui no Rio é o ritmo do momento ... e você, gosta? Gosto também de house e dance music, sou fascinado por discotecas!
Sempre vou à K.I,

ontem mesmo (sexta-feira) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada.

Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal. Aqui no condomínio onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos juntos. É muito maneiro!

C. foi três vezes à K. 1.,

pergunte só a ele como é!

Está tocando agora o "Melô da Mina Sensu­al", super demais!
Aqui ouço também a Transamérica e RPC}M.

E você, quais rádios curte?

Expositiva
















Expositiva















Narrativa


Injuntiva






Injuntiva




Demorei um tem pão pra responder, espero sinceramente que você não esteja chateada co­migo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do Recife, principalmente a galera da ET, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é via­jar, ficar um tempo por aí, conhecer legal vocês todos, sairmos juntos ... Só que não sei ao certo se vou realmente no início de 1992. Mas pode ser que dê, quem sabe! /........../
Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocês!

Agora, a minha rotina: às segundas, quartas e sextas-feiras trabalho de 8:00 às 17:00h, em Botafogo . De lá vou para o T., minha aula vai de 18;30 às 10:40h. Chego aqui em casa quinze para meia­noite. E às terças e quintas fico 050 em F. só de 8:00 às 12:30h. Vou para o T.; às 13:30 começa o meu curso de Francês (vou me formar ano que vem) e vai até IS:30h. 16:ooh vou dar aula e fico até 17:30h. 17:40h às 18:30h faço natação (no T. também) e
até 22:40h tenho aula. 1 ./ Ontem eu e
Simone fizemos três meses de namoro;

você sabia que eu estava namorando?

Ela mora aqui mesmo no «ilegível)) (nome do condomínio). A gente se gosta muito, às vezes eu acho que nunca vamos terminar, depois eu acho que o namoro não vai durar muito, entende?

O problema é que ela é muito ciumenta, principalmente porque eu já fui afim da B., que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva.
Expositiva

Argumentativa



Injuntiva



Narrativa




É acho que vou terminando ...

escreva!
Faz um favor? Diga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever

Adoro vocês!

Um beijão!

Do amigo
P. P.
15:16hÉ notável a variedade de seqüências tipológicas nessa carta pessoal, em que predominam descrições e exposições, o que é muito comum para esse gênero. Não há espaço aqui para maiores detalhes, mas esse modo de análise pode ser desenvolvido com todos os gêneros e, de uma maneira geral, vai-se notar que há uma grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais.
Portanto, entre as características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços lingüísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma seqüência e não um texto. A rigor, pode-se dizer que o segredo da coesão textual está precisa­mente na habilidade demonstrada em fazer essa "costura" ou tessitura das seqüências tipológicas como uma armação de base, ou seja, uma malha infra­estrutural do texto. Como tais, os gêneros são uma espécie de armadura comu­nicativa geral preenchida por seqüências tipológicas de base que podem ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si. Quando se nomeia um certo texto como "narrativo", "descritivo" ou "argumentativo", não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de seqüência de base.
Para concluir essas observações sobre os tipos textuais, vejamos a sugestão de Werlich (1973), que propõe uma matriz de critérios, partindo de estruturas lingüísticas típicas dos enunciados que formam a base do texto. Werlich toma a base temática do texto representada ou pelo título ou pelo início do texto como adequada à formulação da tipologia. Assim, são desenvolvidas as cinco bases temáticas textuais típicas que darão origem aos tipos textuais (o que foi utilizado acima para a segmentação das seqüências observadas na carta acima analisada). Vejamos isto na figura abaixo:
Tipos textuais segundo Werlich (1973)Bases temáticas

1. Descritiva








2. Narrativa








3. Expositiva



















4. Argumentativo








Exemplos

“Sobre a mesa havia milhares de vidros.”







“”Os passageiros aterrissaram em Nova York no meio da noite.””





(a) “” Uma parte do cérebro é o .””
(b) “” O cérebro tem 10 milhões de neurônios””













“” A obsessão com a durabilidade de nas Artes não é permanente.””





Traços lingüísticos

Este tipo de enunciado textual tem uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar

Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no pas­sado, um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação.
Em (a) temos uma base textual de­nominada de exposição sintética pelo processo da composição. Aparece um sujeito, um predicado (no presente) e um complemento com um grupo nominal. Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos.
Em (b) temos uma base textual denominada de exposição análíti­ca pelo processo de decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do ver­bo ter (ou verbos como: ""contém'''', “”consiste””, “”compreende””) e um complemento que estabelece com o sujeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de liga­ção de fenômenos.

Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é um ad­jetivo). Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidade.



5. Injuntiva













“” pare!””, “” seja razoável!””











Vem representada por um verbo no imperativo. Estes são os enunci­ados incitadores à ação. Estes textos podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir por exemplo a configuração mais longa onde o imperativo é substi­tuído por um ""deve"". Por exem­plo; ""Todos os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino de­vem comparecer ao exército para alistarem-se." "
Um elemento central na organização de textos narrativos é a seqüência temporal. Já no caso de textos descritivos predominam as seqüências de loca­lização. Os textos expositivos apresentam o predomínio de seqüências analí­ticas ou então explicitamente explicativas. Os textos argumentativos se dão pelo predomínio de seqüências contrastivas explícitas. Por fim, os textos injun­tivos apresentam o predomínio de seqüências imperativas.
Se voltarmos agora ao exemplo (2) da carta pessoal apresentada acima, veremos que cada uma daquelas seqüências lá identificadas realiza os traços lingüísticos aqui apresentados. Não é difícil tomar os gêneros textuais e analisá­los com esses critérios, identificando-lhes as seqüências. Para o caso do ensino, pode-se chamar a atenção da dificuldade que existe na organização das se­qüências tipológicas de base, já que elas não podem ser simplesmente justa­postas. Os alunos apresentam dificuldades precisamente nesses pontos e não conseguem realizar as relações entre as seqüências. E os diversos gêneros seqüenciam bases tipológicas diversas.

5. Observações sobre os gêneros textuais

Como já lembrado, os gêneros textuais não se caracterizam como formas estru­turais estáticas e definidas de uma vez por todas. Bakhtin [1997] dizia que os gêneros eram tipos "relativamente estáveis" de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. São muito mais famílias de textos com uma série de semelhanças. Eles são eventos lingüísticos, mas não se definem por carac­terísticas lingüísticas: caracterizam-se, como já dissemos, enquanto atividades sócio­discursivas. Sendo os gêneros fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensí­veis, não há como fazer uma lista fechada de todos os gêneros. Existem estudos feitos por lingüistas alemães que chegaram a nomear mais de 4000 gêneros, o que à primeira vista parece um exagero (Veja-se Adamzik, 1997). Daí a desistência progressiva de teorias com pretensão a uma classificação geral dos gêneros.
Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma lin­güística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos espeáficos em situações sociais particulares. Pois, como afirmou Bronckart (1999:103), "a apro­priação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas", o que permite dizer que os gê­neros textuais operam, em: certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa relação sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além da justificativa individual.
A expressão "gênero" sempre esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos gêneros literários, mas já não é mais assim, como lembra Swales (1990:33), ao dizer que "hoje, gênero é facilmente usado para referir uma cate­goria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações literárias". É assim que se usa a noção de gênero em Etnografia, Sociologia, Antropologia, Folclore, Retórica e, evidentemente, na Lingüística.
Os gêneros não são entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios e as estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano. Não podemos defini-Ios mediante certas propriedades que lhe devam ser necessárias e suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma deter­minada propriedade e ainda continuar sendo aquele gênero. Por exemplo, uma carta pessoal ainda é uma carta, mesmo que a autora tenha esquecido de assinar o nome no final e só tenha dito no início: "querida mamãe". Uma publicidade pode ter o formato de um poema ou de uma lista de produtos em oferta; o que conta é que divulgue os produtos e estimule a compra por parte dos clientes ou usuários daquele produto. A título de exemplo, obser­ve-se este artigo de opinião da Folha de São Paulo, que, embora escrito na forma de um poema, continua sendo um artigo de opinião:
Exemplo (3) NELFE - 350 - artigo de opinião

Um novo José
Josias de Souza
-São Paulo- Diga: ora, Drummond, Agora FMI.
Calma José. Se você gritasse,
A festa não começou, se você gemesse,
a luz não acendeu, se você dormisse,
a noite não esquentou, se você cansasse,
o Malan não amoleceu, se você morresse ...
mas se voltar a pergunta: O Malan nada faria,
e agora José? mas já há quem faça.
Diga: ora Drummond,
agora Camdessus. Ainda só, no escuro,
Continua sem mulher, qual bicho-do-mato,
continua sem discurso, ainda sem teogonia,
continua sem carinho, ainda sem parede nua,
ainda não pode beber, para se encostar,
ainda não pode fumar, ainda sem cavalo preto,
cuspir ainda não pode, Que fuja a galope,
a noite ainda é fria, você ainda marcha, José!
o dia ainda não veio, Se voltar a pergunta:
o riso ainda não veio, José, para onde?
não veio ainda a utopia, Diga: ora Drummond,
o Malan tem miopia, por que tanta dúvida?
mas nem tudo acabou, Elementar, elementar,
nem tudo fugiu, sigo pra Washington
nem tudo mofou. e, por favor, poeta,
Se voltar a pergunta: não me chame de José.
E agora José? Me chame Joseph.
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno 1, pág. 2 - Opinião, 04/10/1999

Aspecto interessante no texto acima é que ele apresenta uma configuração híbrida, tendo o formato de um poema para o gênero artigo de opinião. Isso configura uma estrutura inter-gêneros de natureza altamente híbrida e uma relação intertextual com alusão ao poema e ao poeta autor do poema no qual se inspira e do qual extrai elementos: "E agora]oséJJ, de Carlos Drummond de Andrade. Essa característica pode ser analisada de acordo com a sugestão de Ursula Fix (1997:97), que usa a expressão "intertextualidade inter-gênerosJJ para designar o aspecto da hibridização ou mescla de gêneros em que um gênero assume a função de outro. Esta violação de cânones subvertendo o modelo global de um gênero poderia ser visualizada num diagrama tal como este:INTERTEXTUALIDADE TIPOLÓGICA
Função do gênero A



/
artigo de opinião
/
Formado gênero A

Forma do gênero B
/
poema
/
Função do gênero B

A questão da intertextualidade inter-gêneros evidencia-se como uma mescla de funções e formas de gêneros diversos num dado gênero e deve ser distinguida da questão da heterogeneidade tipológica do gênero, que diz res­peito ao fato de um gênero realizar várias seqüências de tipos textuais (por exemplo, o caso da carta pessoal citada). No exemplo acima, temos um gênero funcional (artigo de opinião) com o formato de outro (poema). Em princípio, isto não deve trazer dificuldade interpretativa, já que o predomínio da função supera a forma na determinação do gênero, o que evidencia a plasticidade e dinamicidade dos gêneros.
Resumidamente, em relação aos gêneros, temos:
(1) intertextualidade inter-gêneros == um gênero com a função de outro
(2) heterogeneidade tipológica == um gênero com a presença de vários tipos

o exemplo do artigo de opinião analisado é um caso para a situação (1) da hibridização textual com inter-gêneros; já a carta pessoal analisada anterior­mente é um exemplo para (2), com uma heterogeneidade tipolÇ>gica muito grande. No geral, este segundo caso é mais comum que o primeiro. Contudo, se tomarmos alguns gêneros, veremos que eles são mais propensos a uma intertextualidade inter-gêneros. Veja, por exemplo, a publicidade que se carac­teriza por operar de maneira particularmente produtiva na subversão da ordem genérica instituída, chamando atenção para a venda de um produto. Desenquadrar o produto de seu enquadre normal é uma forma de enquadrá­10 em novo enfoque, para que o vejamos de forma mais nítida no mar de ofertas de produtos.
É esta possibilidade de operação e maleabilidade que dá aos gêneros enorme. capacidade de adaptação e ausência de rigidez e se acha perfeitamente de acordo com Miller (1984:151), que considera o gênero como "ação social", lembrando que uma definição retoricamente correta de gênero "não deve centrar-se na subs­tância nem na forma do discurso, mas na ação em que ele aparece para realizar­se". Este aspecto vai ser central na designação de muitos gêneros que são definidos basicamente por seus propósitos (funções, intenções, interesses) e não por suas formas. Contudo, voltamos a frisar que isto não significa eliminar o alto poder organizador das formas composicionais dos gêneros. O próprio Bakhtin [1997] indicava a "construção composicional", ao lado do "conteúdo temático" e do "estilo" como as três características dos gêneros.
De igual modo, para Eija Ventola (1995:7), os "gêneros são sistemas semióticos que geram estruturas particulares que em última instância são cap­tadas por comportamentos lingüísticos mediante os registros". Enquanto resul­tado convencional numa dada cultura, os gêneros se definiriam como "ações retóricas tipificadas baseadas em situações recorrentes" (Miller, 1984:159). As formas tornam-se convencionais e com isto genéricas precisamente em virtude da recorrência das situações em que são investidas como ações retóricas típicas. Os gêneros são, em última análise, o reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura. Por isso, em princípio, a variação cultural deve trazer conseqüências significativas para a variação de gêneros, mas este é um aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir.

6. Gêneros textuais e ensino

Tendo em vista que todos os textos se manifestam sempre num ou noutro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto para a produção com para a compreensão. Em certo sentido, é esta idéia básica que se acha no centro dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), quando sugerem que o trabalho com o texto deve ser feito na base dos gêneros, sejam eles orais ou escritos. E esta é também a proposta central dos ensaios desta coletânea de textos que pretende mostrar como analisar e tratar alguns dos gêneros mais praticados nos diversos meios de comunicação.
As observações teóricas expostas não só visam a esclarecer conceitos como também a apontar a diversidade de possibilidades de observação dos gêneros textuais. Por certo, não estamos aqui em condições de nos dedicarmos a todos os problemas envolvidos, mas é possível indicar alguns. Em especial seria bom ter em mente a questão da relação oralidade e escrita no contexto dos gêneros tex­tuais, pois, como sabemos, os gêneros distribuem-se pelas duas modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais formais e em todos os contextos e situações da vida cotidiana. Mas há alguns gêneros que só são recebidos na forma oral apesar de terem sido produzidos originalmente na forma escrita, como o caso das notícias de televisão ou rádio. Nós ouvimos aquelas notícias, mas elas foram escritas e são lidas (oratizadas) pelo apresentador ou locutor.
Assim, é bom ter cautela com a idéia de gêneros orais e escritos, pois essa distinção é complexa e deve ser feita com clareza. Veja-se o caso acima citado das jaculatórias, novenas e ladainhas. Embora todas tenham sido escritas, seu uso nas atividades religiosas é sempre oral. Ninguém reza por escrito e sim oralmente. Por isso dizemos que oramos e não que escrevemos a Deus.
Tudo o que estamos apontando neste momento deve-se ao fato de os eventos a que chamamos propriamente gêneros textuais serem artefatos lingüísticos concretos. Esta circunstância ou característica dos gêneros torna­os, como já vimos, fenômenos bastante heterogêneos e por vezes híbridos em relação à forma e aos usos. Daí dizer-se que os gêneros são modelos comu­nicativos. Servem, muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-Io para uma determinada reação. Operam prospectivamente, abrindo o caminho da compreensão, como muito bem frisou Bakhtin (1997).
Muitas vezes, em situações orais, os interlocutores discutem a respeito do gênero de texto que estão produzindo ou que devem produzir. Trata-se de uma negociação tipológica. Segundo observou o lingüista alemão Hugo Steger (1974), as designações sugeridas pelos falantes não são suficientemente uni­tárias ou claras, nem fundadas em algum critério geral para serem consistentes. Em relação a isso, lembra a lingüista alemã Elizabeth Gülich (1986) que os interlocutores seguem em geral três critérios para designarem seus textos:
a) canal! meio de comunicação: (telefonema, carta, telegrama)
b) critérios formais: (conto, discussão, debate, contrato, ata, poema)
c) natureza do conteúdo: (piada, prefácio de livro, receita culinária, bula de remédio)

Contudo, isso não chega a oferecer critérios para formar uma classificação nem constituir todos os nomes. Para Douglas Biber (1988), por exemplo, os gêneros são geralmente determinados com base nos objetivos dos falantes e na natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma. Em suma, pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em critérios externos (sócio-comunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais fun­dam-se em critérios internos (lingüísticas e formais).
Elizabeth Gülich (1986) observa que as situações e os contextos em que os falantes ou escritores designam os gêneros textuais são em geral aqueles em que parece relevante designá-Ias para chamar a atenção sobre determinadas regras vigentes no caso. É assim que ouvimos pessoas dizendo: "nessa reu­nião não cabe uma piada, mas deixem que eu conte uma para descontrair um pouco". Ou então ouvimos alguém dizer: "fulano não desconfia e discursa até na hora de tomar uma cerveja". Por outro lado, notamos que há casos institucionalmente marcados que exigem, no início, a designação do gênero de texto e a informação sobre suas regras de desenvolvimento. Este é o caso de uma tomada de depoimento na Justiça, em que o Juiz lê as regras e expõe direitos e deveres de cada indivíduo.
Assim, contar piadas fora de lugar é um caso de inadequação ou violação de normas sociais relativas aos gêneros textuais. Isso quer dizer que não há só a questão da produção adequada do gênero, mas também um uso adequado. Esta não é uma questão de etiqueta social apenas, mas é um caso de adequação tipo lógica, que diz respeito à relação que deveria haver, na produção de cada gênero textual, entre os seguintes aspectos:
natureza da informação ou do conteúdo veiculado;

nível de linguagem (formal, informal, dialetal, culta etc.)
tipo de situação em que o gênero se situa (pública, privada, corriqueira, solene etc.)
relação entre os participantes (conhecidos, desconhecidos, nível social, formação etc)
natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas

É provável que esta relação obedeça a parâmetros de relativa rigidez em virtu­de das rotinas sociais presentes em cada contexto cultural e social, de maneira que sua inobservância pode acarretar problemas. Assim, numa reunião de negócios, por exemplo, um empresário que se pusesse a cantar o Hino Nacional seria considerado um tanto esquisito e talvez pouco confiável para uma parceria de negócios. Ou alguém que, durante um culto e no meio de uma oração, come­çasse a esbravejar contra o sacerdote ou o pastor não ia ser bem-visto. Neste sentido, os indicadores aqui levantados serviriam para identificar as condições de adequação genérica na produção dos gêneros, espedalmente os orais.
Considerando que os gêneros independem de decisões individuais e não são facilmente manipuláveis, eles operam como geradores de expectativas de compreensão mútua. Gêneros textuais não são fruto de invenções individuais, mas formas socialmente maturadas em práticas comunicativas. Esta era tam­bém a posição central de Bakhtin [1997] que, como vimos, tratava os gêneros como atividades enunciativas "relativamente estáveis".
No ensino de uma maneira geral, e em sala de aula de modo particular, pode-se tratar dos gêneros na perspectiva aqui analisada e levar os alunos a produzirem ou analisarem eventos lingüísticos os mais diversos, tanto escritos como orais, e identificarem as características de gênero em cada um. É um exercício que, além de instrutivo, também permite praticar a produção textual. Veja-se como seria produtivo pôr na mão do aluno um jornal diário ou uma revista semanal com a seguinte tarefa: "identifique os gêneros textuais aqui presentes e diga quais são as suas características centrais em termos de con­teúdo, composição, estilo, nível lingüístico e propósitos". É evidente que essa tarefa pode ser reformulada de muitas maneiras, de acordo com os inte­resses de cada situação de ensino. Mas é de se esperar que por mais modesta que seja a análise, ela será sempre muito promissora.

7. Observações finais

Em conclusão a estas observações sobre o tema em pauta, pode-se dizer que o trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia. Pois nada do que fizermos lingüisticamente estará fora de ser feito em algum gê­nero. Assim, tudo o que fizermos lingüisticamente pode ser tratado em um ou outro gênero. E há muitos gêneros produzidos de maneira sistemática e com grande incidência na vida diária, merecedores de nossa atenção. Inclusive e talvez de maneira fundamental, os que aparecem nas diversas mídias hoje existentes, sem excluir a mídia virtual, tão bem conhecida dos internautas ou navegadores da Internet.
A relevância maior de tratar os gêneros textuais acha-se particularmente situada no campo da Lingüística Aplicada. De modo todo especial no ensino de língua, já que se ensina a produzir textos e não a produzir enunciados soltos. Assim, a investigação aqui trazida é de interesse aos que trabalham e militam nessas áreas. Uma análise dos manuais de ensino de língua portu­guesa mostra que há uma relativa variedade de gêneros textuais presentes nessas obras. Contudo, uma observação mais atenta e qualificada revela que a essa variedade não corresponde uma realidade analítica. Pois os gêneros que aparecem nas seções centrais e básicas, analisados de maneira aprofundada são sempre os mesmos. Os demais gêneros figuram apenas para 11 enfeite" e até para distração dos alunos. São poucos os casos de tratamento dos gêneros de maneira sistemática. Lentamente, surgem novas perspectivas e novas abor­dagens que incluem até mesmo aspectos da oralidade. Mas ainda não se tratam de modo sistemático os gêneros orais em geral. Apenas alguns, de modo parti­cular os mais formais, são lembrados em suas características básicas.
No entanto, não é de se supor que os alunos aprendam naturalmente a produzir os diversos gêneros escritos de uso diário. Nem é comum que se aprendam naturalmente os gêneros orais mais formais, como bem observam Joaquim Dolz e Bemard Schneuwly (1998). Por outro lado, é de se indagar se há gêneros textuais ideais para o ensino de língua. Tudo indica que a resposta seja não. Mas é provável que se possam identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público e assim por diante.
Enfim, vale repisar a idéia de que o trabalho com gêneros será uma forma de dar conta do ensino dentro de um dos vetares da proposta oficial dos Parâmetros Curriculares Nacionais que insistem nesta perspectiva. Tem-se a oportunidade de observar tanto a oralidade como a escrita em seus usos cul­turais mais autênticos sem forçar a criação de gêneros que circulam apenas no universo escolar. Os trabalhos incluídos neste livro buscam oferecer su­gestões bastante claras e concretas de observação dos gêneros textuais na perspectiva aqui sugerida e com algumas variações teóricas que cada autor dos textos adota em função de seus interesses e de suas sugestões de trabalho. No conjunto, a diversidade de observações deverá ser um benefício a mais para quem vier a usufruir dessas análises.