quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Poesia Concreta - Exemplos

Os criadores do concretismo propugnavam um experimentalismo poético (planificado e racionalizado) que obedecia aos seguintes princípios:

- Abolição do verso tradicional, sobretudo através da eliminação dos laços sintáticos (preposições, conjunções, pronomes, etc.), gerando uma poesia objetiva, concreta, feita quase tão somente de substantivos e verbos;

- Um linguagem necessariamente sintética, dinâmica, homóloga à sociedade industrial (“A importância do olho na comunicação mais rápida... os anúncios luminosos, as histórias em quadrinhos, a necessidade do movimento....”);

- Utilização de paronomásias, neologismos, estrangeirismos; separação de prefixos e sufixos; repetição de certos morfemas; valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e recompõe na página;

- O poema transforma-se em objeto visual, valendo-se do espaço gráfico como agente estrutural: uso dos espaços brancos, de recursos tipográficos, etc.; em função disso o poema deverá ser simultaneamente lido e visto.

Exemplo destas propostas pode ser encontrado no poema Terra de Décio Pignatari:

ra terra ter
rat erra ter
rate rra ter
rater ra ter
raterr a ter
raterra terr
araterra ter
raraterra te
rraraterra t
erraraterra
terraraterra

Observe-se o despojamento e o jogo verbal deste poema de Haroldo de Campos:

de sol a sol
soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado
sangrado
de sangue a sangue

Os recursos visuais são utilizados por Augusto de Campos como no poema abaixo entitulado Eis os amantes:

COLOCAR EIS OS AMANTES

Em Pós-tudo, escrito no fim da década de 80, Augusto de Campos parece fazer o inventário de sua participação no concretismo, identificando o seu papel nas mudanças poéticas e reconhecendo que o caminho revolucionário acabara na mudez*:

Fonte http://educaterra.terra.com.br/literatura/litcont/2003/04/22/001.htm

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A SOLIDÃO DO GIRAFO

“Vai, Raio de Luz, vai até Brasília e procura lá a tua namorada, que te dará prazer e filhos, e, com eles, voltarás ao Rio de Janeiro, onde não tens chance de casamento e multiplicação da espécie. Vejo-te passar, o esguio pescoço desafiando viadutos, passarelas e túneis, e sinto que o surrealismo é coisa de arquivo. Pintor que te pintasse viajando dessa maneira seria apenas um copista do cotidiano.

Não podias mais continuar no Rio, sem companheira prestante, e sujeito a equívocos escabrosos com os machos da tua espécie. Precisavas de uma girafa indubitável para o ofício do amor. Puseram-te em caminhão equipado com fiação elétrica e buzina de alarme, acionável ao menor indício de anormalidade, seja na rodovia seja no interior de tua silenciosa organização de girafo.

Sei que deformo teu nome, trocando a letra final, mas já é tempo de dissipar a ambiguidade das designações genéricas, em meio à indefinição crescente dos sexos, observada na sociedade humana. Quando já não se sabe ao certo quem é varão quem é varoa, pelo menos se saiba distinguir o pavão da pavoa ou pavona, o elefanto da elefanta, o sabiau da sabiá, o cisno da cisna, o tigro da tigra, em vez de nos socorrermos do aditamento macho e fêmea. Se distinguimos gato e gata, por que não foco e foca, tamanduó e tamanduá, tatu e tatua? (Deixo aos entendidos o levantamento da nominata completa.) Fica mais fácil e constitui merecida homenagem à pequena, mas divina, diferença que tornou viável o milagre da vida.

O Rio anda tão pobre que até lhe falta uma girafa para amar um girafo, e é preciso recorrer a Brasília, que de resto não consta ser pródiga em atendimento às necessidades nacionais. Mas que tenha uma girafa núbil e disponível já é coisa boa de se saber. Não ficarás solteiro, “Raio de Luz”. E procriarás e tua prole se desdobrará em girafinhos e girafinhas que enriquecerão os nossos zôos, para alegria da meninada curiosa de ver bichos originais, em confronto com a pouca ou nenhuma originalidade de tantos bichos por aí, quadrúpedes ou bípedes.

Por ser conveniente o otimismo, descarto a hipótese de a girafa brasiliana te recusar. Seria muito triste, além de muito oneroso, que a tua viagem, exigindo mil cuidados, tivesse como epílogo o desentendimento entre os parceiros. Não resta dúvida que, democraticamente, a moça girafa tem direito de escolha, e pode não ir contigo e com teu focinho. Mas, por outro lado, não consta que em alguma parte do Brasil os moços girafos sejam numerosos, e ela corre o risco de morrer solteira. Então, presumo que tudo contribui para um enlace feliz; o solitário carioca rejubila-se ao encontrar a solitária planaltina.

Casamento giráfico: não será tão pomposo quanto o do Príncipe Charles, mas em ocasião como esta, de nuvens escuras e bombas perversas, é um descanso para o espírito saber que todas as providências estão sendo tomadas para que um girafo encontre sua girafa e deste encontro resultem girafotes, ou girafelhos, que são fedelhos girafos.

Eu, cândido de coração, me associo à expectativa amena de termos no futuro um zoológico bem provido de população girafista de dois sexos, graças à tua linhagem, “Raio de Luz”. Chego a delirar, e sonho um zôo exclusivamente dedicado ao animal mais alto do mundo e que, por isso mesmo, nos dê sugestões de altura, quer material quer moral.

Essa fauna esplêndida, que efeito mágico produzirá! Cada um de nós há de sentir-se estimulado a crescer no mínimo alguns centímetros em dignidade cívica, abnegação, amor à verdade. Uma verdade que talvez esteja refugiada nas selvas mas que se entremostre, de relance, no simples e exato comportamento de um animal trazido para o nosso convívio.

A girafa parece que não consegue lamber o próprio corpo, quer dizer, ela pede que outros o façam. Expõe o corpo e confia na ação alheia. Defende-se menos do que se expõe. E, sendo animal exposto, sujeito à apreciação e ao julgamento gerais, é realmente de bom convívio. Não quer privilégios. E, mesmo calada, não é sigilosa.

A mania de sigilo, que nós, supostos racionais, inventamos está longe de ser uma regra da natureza. Os bichos não mentem. São o que são, verificáveis. Eu gosto de girafa. Tem pescoço e não tem artimanha. Só não dou um abraço a Raio de Luz porque seria impraticável. Mas torço pelo seu feliz himeneu e prometo mesmo compor um epitalâmio para o casal.”

Carlos Drummond de Andrade

Jornal do Brasil, 09/05/1981 (texto compilado na íntegra)

sábado, 15 de outubro de 2011

O discurso literário contemporâneo

Os estudos atuais sobre a temática do discurso literário iniciou-se na Europa como uma teoria de análise, ligada à AD. Essa teoria tratava de entender como o discurso literário era formado e como ele era composto.

No Brasil, o discurso literário ainda é uma área da linguagem voltada para a AD, e também para a lingüística textual, tendo como objetivo mostrar elementos constituintes dos textos literários, como a organização dos discursos, a heteroglossia, a plurivoricidade, a intertextualidade, a alteridade, etc.

Destacam-se com trabalhos e estudos sobre a temática, o filólogo francês Dominique Maingueneau. Em seus ensaios nos mostra uma nova visão sobre o tema e considerado por muitos uns dos expoentes dessa área; em seus estudos, Maingueneau mostra uma série de condições para uma análise do discurso literário. Também o autor fala em um de seus trabalhos sobre o discurso literário como discurso constituinte, assunto que também foi abordado por Bakhtin/Voloshinov (1929), em Marxismo e filosofia da linguagem, e por Fiorin (2003), Campos (2009) e Brait (2009).

Maingueneau (2009, p. 60) distingue o discurso literário e o discurso não literário, a partir de uma análise conseqüente do discurso literário, onde se deve fundar-se em conceitos e métodos de que parcela ponderável é válida para outros tipos de discurso (MAINGUENEAU, 2009, p. 60). Também, segundo o autor, existe uma imensa variedade de discursos literários, o que ele chama de discursos constituintes, e que eles são interligados uns aos outros.

O discurso literário não é isolado, ainda que tenha sua especificidade: ele participa de um plano determinado da produção verbal, o dos discursos constituintes, categoria que permite melhor as relações entre literatura e filosofia, literatura e religião, literatura e mito, literatura e ciência. A categoria “discurso constituinte” não é um campo de estudo seguro de suas fronteiras, mas um programa de pesquisas que permite identificar certo número de invariantes, bem como postular maneiras umas quantas questões inéditas (MAINGUENEAU, 2009, p. 60).

O discurso literário contemporâneo ainda mantém em sua forma, os pressupostos abordados por Maingueneau, o discurso contemporâneo proporciona uma passividade de análise textual, o que nos faz entender que esses discursos são distintos entre si, seja ele literário, religioso, o científico, o filosófico, etc. (MAINGUENEAU, 2009, p. 60 e 61).


Por Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN)
Cap. 3 da monografia

domingo, 9 de outubro de 2011

A Carta

Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escreveram a Vossa Alteza a notícia do achado desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dara disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!

A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos Canárias , mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à ista delas. Obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas ou menos, houvemos vista das lhas de Cabo Verde , asaber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.

Domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu ,e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

Segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. É de tal maneira se passou a coisa que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns verdes, outros amarelos, dos quais creio que o capitão há de mandar uma amostra a Vossa Alteza.

Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos,. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E enquanto fazíamos lenha , construíram dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara.

Muitos deles vinham ali estar com carpinteiros. E creio que o faziam mais para veram a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, por que eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.

Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navia dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus, isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem, tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios verdes; e outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de prol.

Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sanco de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas, vei-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no cada um em sua adeira. E de tudo quantos lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido e frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.

E pois que, senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem sevida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vira da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.

Pero Vaz de Caminha

Dia Desértico (Desertic Day)

Nesse dia de clima seco,
a chuva sumiu,
o vento quente soprou,
a casa pequena esquentou,
e o calor desse dia entrou,
nos queimando a cara,
aquecendo a água,
de nossas caixas.

Nesses dias de intenso calor,
que nos atrapalha,
que nos faz colher palha,
que evapora a água,
e seca as folhas,
que caem no solo.

Nesses dias caloríficos,
até o gado se atrapalha,
se esquece da água,
come a palha,
com o calor que a torna fraca.

Nesses dias de secura,
que racham o solo,
que secam os rios,
e desidratam a pele,
impera a salinidade,
que nos faz lembrar,
como é importante para nós,
esse elemento vital,
chamado água.

Alessandro de Oliveira Arantes