domingo, 26 de fevereiro de 2017

O burro e os donos - Tradução de Curvo Semedo (Conto)

O burro de um hortelão
À Sorte se lamentava.
Dizendo que madrugava
Fosse qual fosse a estação,
Primeiro que os resplendores
Do sol trouxessem o dia.
«Os galos madrugadores –
O néscio burro dizia –
Mais cedo não abrem olho.
E porquê? Por ir à praça
C’uma carga de repolho,
Um feixe de aipo, ou labaça,
Alguns nabos e b’ringelas;
E por estas bagatelas
Me fazem perder o sono.»
A Sorte ouviu seu clamor,
E deu-lhe em breve outro dono,
Que era um rico surrador.
Eis de couros carregado,
Sofrendo um cruel fedor,
Já carpia ter deixado
O seu antigo senhor:
«Naquele tempo dourado –
Dizia – andava eu contente;
Cada vez que ia ao mercado
Botava à cangalha o dente,
Lá vinha a couve, a nabiça,
A chicarola, o folhado,
E outras castas de hortaliça;
Mas se hoje, fraco do peito,
O meu dente à carga deito,
Em vez da viçosa rama
Da celga, do grelo, ou nabo,
Só acho dura courama
Que fede mais que o diabo!»
Prestando às queixas do burro
A Sorte alguma atenção,
Lhe deu por novo patrão
Um carvoeiro casmurro.
Entrou em nova aflição
O desgostoso jumento.
Vendo faltar-lhe o sustento,
E em negro pó de carvão
Andando sempre afogado,
Tornou a carpir seu fado.
«Que tal! – diz a Sorte em fúria
– Este maldito sendeiro,
Com sua eterna lamúria,
Mais me cansa, mais me aflige
Que um avaro aventureiro
Quando fortunas me exige!
Pensa acaso este imprudente
Que só ele é desgraçado?
Por esse mundo espalhado
Não vê tanto descontente?
Já me cansa este marmanjo!
Quer que eu me ocupe somente
Em cuidar no seu arranjo?»
Foi justo da Sorte o enfado,
Que é propensão do vivente
Lamentar-se do presente,
E chorar pelo passado:
Que ninguém vive contente,
Seja qual for seu estado.

Referências:

SEMEDO, Curvo. O burro e os donos. Tradução. Publicado por: Helena. Fábula. In: LA FONTAINE, Jean de, 1621-1695. Fábulas: antologia / La Fontaine. - 4. ed. - São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 140-142. Disponível em: http://contosencantar.blogspot.com.br/2011/12/o-burro-e-os-donos.html

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Sorôco, sua mãe, sua filha (Guimarães Rosa)

Aquele carro parara na linha de resguardo, desde a véspera, tinha vindo com o expresso do
Rio, e estava lá, no desvio de dentro, na esplanada da estação. Não era um vagão comum de
passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo novo. A gente reparando, notava as
diferenças. Assim repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de
cadeia, para os presos. A gente sabia que, com pouco, ele ia rodar de volta, atrelado ao
expresso dai de baixo, fazendo parte da composição. Ia servir para levar duas mulheres, para
longe, para sempre. O trem do sertão passava às 12h45m.
As muitas pessoas já estavam de ajuntamento, em beira do carro, para esperar. As pessoas não
queriam poder ficar se entristecendo, conversavam, cada um porfiando no falar com sensatez,
como sabendo mais do que os outros a prática do acontecer das coisas. Sempre chegava mais
povo - o movimento. Aquilo quase no fim da esplanada, do lado do curral de embarque de
bois, antes da guarita do guarda- chaves, perto dos empilhados de lenha. Sorôco ia trazer as
duas, conforme. A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só
tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.
A hora era de muito sol - o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de
cedro. O carro lembrava um canoão no seco, navio. A gente olhava: nas reluzências do ar,
parecia que ele estava torto, que nas pontas se empinava. O borco bojudo do telhadilho dele
alumiava em preto. Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma, e que
a gente não pudesse imaginar direito nem se acostumar de ver, e não sendo de ninguém. Para
onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os
lugares são mais longe.
O Agente da estação apareceu, fardado de amarelo, com o livro de capa preta e as
bandeirinhas verde e vermelha debaixo do braço. - “Vai ver se botaram água fresca no carro...
“ - ele mandou. Depois, o guarda-freios andou mexendo nas mangueiras de engate. Alguém
deu aviso: “Eles vêm!... “ Apontavam, da Rua de Baixo, onde morava Sorôco. Ele era um
homenzão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma barba, fiosa, encardida em amarelo,
e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam medo dele; mais, da voz, que era quase pouca,
grossa, que em seguida se afinava. Vinham vindo, com o trazer de comitiva.
Aí, paravam. A filha - a moça - tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não
vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras - o nenhum. A moça punha os olhos
no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de
admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos
espalhados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas,
dependuradas - virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu
preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se
assemelhavam.
Sorôco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, parecia entrada em igreja,
num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, a chusma de gente
não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles transmodos e despropósitos, de fazer risos,
e por conta de Sorôco - para não parecer pouco caso. Ele hoje estava calçado de botinas, e de
paletó, com chapéu grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus respeitos, de dó. Ele respondia: - “Deus vos
pague essa despesa... “
O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita paciência. Sendo que não ia sentir
falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. Isso não tinha cura, elas não iam
voltar, nunca mais. De antes, Sorôco agüentara de repassar tantas desgraças, de morar com as
duas, pelejava. Dai, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar
ajuda, que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as providências
de mercê. Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado o carro. Por forma que, por
força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir.
De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi se sentar no degrau da escadinha
do carro. - “Ela não faz nada, seo Agente... “ - a voz de Sorôco estava muito branda: - “Ela
não acode, quando a gente chama... “ A moça, ai, tornou a cantar, virada para o povo, o ao ar,
a cara dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo, mas representava de
outroras grandezas, impossíveis. Mas a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de
pressentimento muito antigo - um amor extremoso. E, principiando baixinho, mas depois
puxando pela voz, ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da
outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam junto, não paravam de cantar.
Aí que já estava chegando a horinha do trem, tinham de dar fim aos aprestes, fazer as duas
entrar para o carro de janelas enxequetadas de grades. Assim, num consumiço, sem despedida
nenhuma, que elas nem haviam de poder entender. Nessa diligência, os que iam com elas, por
bem-fazer, na viagem comprida, eram o Nenêgo, despachado e animoso, e o José Abençoado,
pessoa de muita cautela, estes serviam para ter mão nelas, em toda juntura. E subiam também
no carro uns rapazinhos, carregando as trouxas e malas, e as coisas de comer, muitas, que não
iam fazer míngua, os embrulhos de pão. Por derradeiro, o Nenêgo ainda se apareceu na
plataforma, para os gestos de que tudo ia em ordem. Elas não haviam de dar trabalhos.
Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorçôo do canto, das duas, aquela chirimia, que
avocava: que era um constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente,
sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois.
Sorôco.
Tomara aquilo se acabasse. O trem chegando, a máquina manobrando sozinha para vir pegar
o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre.
Sorôco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba
quadrada, surdo - o que nele mais espantava. O triste do homem, lá, decretado, embargandose
de poder falar algumas suas palavras. Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras,
debaixo do peso, sem queixa, exemploso. E lhe falaram: - “O mundo está dessa forma...
“Todos, no arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas. De repente, todos gostavam
demais de Sorôco.
Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir-s'embora. Estava
voltando para casa, como se estivesse indo para longe, fora de conta.
Mas, parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser. Assim num
excesso de espírito, fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo- Num rompido - ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si - e era a
cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando.
A gente se esfriou, se afundou - um instantâneo. A gente... E foi sem combinação, nem
ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também
a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele,
Sorôco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que corriam, ninguém
deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação.
A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até
aonde que ia aquela cantiga.

Referências:

ROSA, João Guimarães. Sorôco, sua mãe, sua filha. [Conto] In: Primeiras Estórias. 14ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Disponível em: <http://static.recantodasletras.com.br/arquivos/4908226.pdf?1430007872>

segunda-feira, 25 de abril de 2016

ENTÃO, ADEUS! – Lygia Fagundes Telles

Isto aconteceu na Bahia, numa tarde em que eu visitava a mais antiga e arruinada igreja que encontrei por lá, perdida na última rua do último bairro. Aproximou-se de mim um padre velhinho, mas tão velhinho, tão velhinho que mais parecia feito de cinza, de teia, de bruma, de sopro do que de carne e osso. Aproximou-se e tocou o meu ombro:

— Vejo que aprecia essas imagens antigas — sussurrou-me com sua voz débil. E descerrando os lábios murchos num sorriso amável: – Tenho na sacristia algumas preciosidades. Quer vê-las?

Solícito e trêmulo foi-me mostrando os pequenos tesouros da sua igreja: um mural de cores remotas e tênues como as de um pobre véu esgarçado na distância; uma Nossa Senhora de mãos carunchadas e grandes olhos cheios de lágrimas; dois anjos tocheiros que teriam sido esculpidos por Aleijadinho, pois dele tinham a inconfundível marca nos traços dos rostos severos e nobres, de narizes já carcomidos… Mostrou-me todas as raridades, tão velhas e tão gastas quanto ele próprio. Em seguida, desvanecido com o interesse que demonstrei por tudo, acompanhou-me cheio de gratidão até a porta.

— Volte sempre — pediu-me.

— Impossível — eu disse. — Não moro aqui, mas, em todo o caso, quem sabe um dia… — acrescentei se nenhuma esperança.

— E então, até logo! — ele murmurou descerrando os lábios num sorriso que me pareceu melancólico como o destroço de um naufrágio.

Olhei-o. Sob a luz azulada do crepúsculo, aquela face branca e transparente era de tamanha fragilidade, que cheguei a me comover. Até logo?… “Então, adeus!”, ele deveria ter dito. Eu ia embarcar para o Rio no dia seguinte e não tinha nenhuma idéia de voltar tão cedo à Bahia. E mesmo que voltasse, encontraria ainda de pé aquela igrejinha arruinada que achei por acaso em meio das minhas andanças? E mesmo que desse de novo com ela, encontraria vivo aquele ser tão velhinho que mais parecia um antigo morto esquecido de partir?!…

Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta incerta vida, tão poucas que poderia enumerá-las nesta breve linha. Porém, uma certeza eu tive naquele instante, a mais absoluta das certezas: “Jamais o verei.” Apertei-lhe a mão, que tinha a mesma frialdade seca da morte.

— Até logo! – eu disse cheia de enternecimento pelo seu ingênuo otimismo.

Afastei-me e de longe ainda o vi, imóvel no topo da escadaria. A brisa agitava-lhe os cabelos ralos e murchos como uma chama prestes a extinguir-se. “Então, adeus!”, pensei comovida ao acenar-lhe pela última vez. “Adeus.”

Nesta mesma noite houve o clássico jantar de despedida em casa de um casal amigo. E, em meio de um grupo, eu já me encaminhava para a mesa, quando de repente alguém tocou o meu ombro, um toque muito leve, mais parecia o roçar de uma folha seca.

Voltei-me. Diante de mim, o padre velhinho sorria.

— Boa noite!

Fiquei muda. Ali estava aquele de quem horas antes eu me despedira para sempre.

— Que coincidência… — balbuciei afinal. Foi a única banalidade que me ocorreu dizer.— Eu não esperava vê-lo… tão cedo.

Ele sorria, sorria sempre. E desta vez achei que aquele sorriso era mais malicioso do que melancólico. Era como se ele tivesse adivinhado meu pensamento quando nos despedimos na igreja e agora então, de um certo modo desafiante, estivesse a divertir-se com a minha surpresa. “Eu não disse até logo?”, os olhinhos enevoados pareciam perguntar com ironia.

Durante o jantar ruidoso e calorento, lembrei-me de Kipling. “Sim, grande e estranho é o mundo. Mas principalmente estranho…”

Meu vizinho da esquerda quis saber entre duas garfadas:

— Então a senhora vai mesmo nos deixar amanhã?

Olhei para a bolsa que tinha no regaço e dentro da qual já estava minha passagem de volta com a data do dia seguinte. E sorri para o velhinho lá na ponta da mesa.

— Ah, não sei… Antes eu sabia, mas agora já não sei.

Lygia-Fagundes-Telles

Referências:

TELLES, Lygia Fagundes. Então, Adeus! In: "FIGURAS DO BRASIL 80 AUTORES EM 80 ANOS DE FOLHA", Editora PUBLIFOLHA. São Paulo:Folha de São Paulo, 1997. pág. 129 E 130. Disponível em: http://contobrasileiro.com.br/entao-adeus-lygia-fagundes-telles/

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Os Laços de Família - Clarice Lispector

A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.

— Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe.

— Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.

Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. "Perdoe alguma palavra mal dita", dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar - perturbado em ser o bom genro. "Se eu rio, eles pensam que estou louca", pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. "Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um", acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos - e o riso saía pelos olhos. Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica.

— Continuo a dizer que o menino está magro, disse a mãe resistindo aos solavancos do carro. E apesar de Antônio não estar presente, ela usava o mesmo tom de desafio e acusação que empregava diante dele. Tanto que uma noite Antônio se agitara: não é por culpa minha, Severina! Ele chamava a sogra de Severina, pois antes do casamento projetava serem sogra e genro modernos. Logo à primeira visita da mãe ao casal, a palavra Severina tornara-se difícil na boca do marido, e agora, então, o fato de chamá-la pelo nome não impedira que... - Catarina olhava-os e ria.

— O menino sempre foi magro, mamãe, respondeu-lhe. O táxi avançava monótono.

— Magro e nervoso, acrescentou a senhora com decisão.

— Magro e nervoso, assentiu Catarina paciente. Era um menino nervoso, distraído. Durante a visita da avó tornara-se ainda mais distante, dormira mal, perturbado pelos carinhos excessivos e pelos beliscões de amor da velha. Antônio, que nunca se preocupara especialmente com a sensibilidade do filho, passara a dar indiretas à sogra, "a proteger uma criança” ...

— Não esqueci de nada..., recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e fez despencarem as malas. — Ah! ah! - exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina?

Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil esconder: Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe enchia-lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a mãe nem notava. Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem, não tinham o que falar - por que não chegavam logo à Estação?

— Não esqueci de nada, perguntou a mãe com voz resignada.

Catarina não queria mais fitá-la nem responder-lhe.

— Tome suas luvas! disse-lhe, recolhendo-as do chão.

— Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.

Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.

O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se "mãe e filha" fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma impressão, da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada...

— ...não esqueci de nada? perguntou a mãe.

— Também a Catarina parecia que haviam esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam atônitas - porque se realmente haviam esquecido, agora era tarde demais. Uma mulher arrastava uma criança, a criança chorava, novamente a campainha da Estação soou... Mamãe, disse a mulher. Que coisa tinham esquecido de dizer uma a outra? e agora era tarde demais. Parecia-lhe que deveriam um dia ter dito assim: sou tua mãe, Catarina. E ela deveria ter respondido: e eu sou tua filha.

— Não vá pegar corrente de ar! gritou Catarina.

— Ora menina, sou lá criança, disse a mãe sem deixar porém de se preocupar com a própria aparência. A mão sardenta, um pouco trêmula, arranjava com delicadeza a aba do chapéu e Catarina teve subitamente vontade de lhe perguntar se fora feliz com seu pai:

— Dê lembranças a titia! gritou.

— Sim, sim!

— Mamãe, disse Catarina porque um longo apito se ouvira e no meio da fumaça as rodas já se moviam.

— Catarina! disse a velha de boca aberta e olhos espantados, e ao primeiro solavanco a filha viu-a levar as mãos ao chapéu: este caíra-lhe até o nariz, deixando aparecer apenas a nova dentadura. O trem já andava e Catarina acenava. O rosto da mãe desapareceu um instante e reapareceu já sem o chapéu, o coque dos cabelos desmanchado caindo em mechas brancas sobre os ombros como as de uma donzela - o rosto estava inclinado sem sorrir, talvez mesmo sem enxergar mais a filha distante.

No meio da fumaça Catarina começou a caminhar de volta, as sobrancelhas franzidas, e nos olhos a malícia dos estrábicos. Sem a companhia da mãe, recuperara o modo firme de caminhar: sozinha era mais fácil. Alguns homens a olhavam, ela era doce, um pouco pesada de corpo. Caminhava serena, moderna nos trajes, os cabelos curtos pintados de acaju. E de tal modo haviam-se disposto as coisas que o amor doloroso lhe pareceu a felicidade - tudo estava tão vivo e tenro ao redor, a rua suja, os velhos bondes, cascas de laranja - a força fluia e refluia no seu coração com pesada riqueza. Estava muito bonita neste momento, tão elegante; integrada na sua época e na cidade onde nascera como se a tivesse escolhido. Nos olhos vesgos qualquer pessoa adivinharia o gosto que essa mulher tinha pelas coisas do mundo. Espiava as pessoas com insistência, procurando fixar naquelas figuras mutáveis seu prazer ainda úmido de lágrimas pela mãe. Desviou-se dos carros, conseguiu aproximar-se do ônibus burlando a fila, espiando com ironia; nada impediria que essa pequena mulher que andava rolando os quadris subisse mais um degrau misterioso nos seus dias.

O elevador zumbia no calor da praia. Abriu a porta do apartamento enquanto se libertava do chapeuzinho com a outra mão; parecia disposta a usufruir da largueza do mundo inteiro, caminho aberto pela sua mãe que lhe ardia no peito. Antônio mal levantou os olhos do livro. A tarde de sábado sempre fora "sua", e, logo depois da partida de Severina, ele a retomava com prazer, junto à escrivaninha.

— "Ela" foi?

— Foi sim, respondeu Catarina empurrando a porta do quarto de seu filho. Ah, sim, lá estava o menino, pensou com alívio súbito. Seu filho. Magro e nervoso. Desde que se pusera de pé caminhara firme; mas quase aos quatro anos falava como se desconhecesse verbos: constatava as coisas com frieza, não as ligando entre si. Lá estava ele mexendo na toalha molhada, exato e distante. A mulher sentia um calor bom e gostaria de prender o menino para sempre a este momento; puxou-lhe a toalha das mãos em censura: este menino! Mas o menino olhava indiferente para o ar, comunicando-se consigo mesmo. Estava sempre distraído. Ninguém conseguira ainda chamar-lhe verdadeiramente a atenção. A mãe sacudia a toalha no ar e impedia com sua forma a visão do quarto: mamãe, disse o menino. Catarina voltou-se rápida. Era a primeira vez que ele dizia "mamãe" nesse tom e sem pedir nada. Fora mais que uma constatação: mamãe! A mulher continuou a sacudir a toalha com violência e perguntou-se a quem poderia contar o que sucedera, mas não encontrou ninguém que entendesse o que ela não pudesse explicar. Desamarrotou a toalha com vigor antes de pendurá-la para secar. Talvez pudesse contar, se mudasse a forma. Contaria que o filho dissera: mamãe, quem é Deus. Não, talvez: mamãe, menino quer Deus. Talvez. Só em símbolos a verdade caberia, só em símbolos é que a receberiam. Com os olhos sorrindo de sua mentira necessária, e sobretudo da própria tolice, fugindo de Severina, a mulher inesperadamente riu de fato para o menino, não só com os olhos: o corpo todo riu quebrado, quebrado um invólucro, e uma aspereza aparecendo como uma rouquidão. Feia, disse então o menino examinando-a.

— Vamos passear! respondeu corando e pegando-o pela mão.

Passou pela sala, sem parar avisou ao marido: vamos sair! e bateu a porta do apartamento.

Antônio mal teve tempo de levantar os olhos do livro - e com surpresa espiava a sala já vazia. Catarina! chamou, mas já se ouvia o ruído do elevador descendo. Aonde foram? perguntou-se inquieto, tossindo e assoando o nariz. Porque sábado era seu, mas ele queria que sua mulher e seu filho estivessem em casa enquanto ele tomava o seu sábado. Catarina! chamou aborrecido embora soubesse que ela não poderia mais ouvi-lo. Levantou-se, foi à janela e um segundo depois enxergou sua mulher e seu filho na calçada.

Os dois haviam parado, a mulher talvez decidindo o caminho a tomar. E de súbito pondo-se em marcha.

Por que andava ela tão forte, segurando a mão da criança? pela janela via sua mulher prendendo com força a mão da criança e caminhando depressa, com os olhos fixos adiante; e, mesmo sem ver, o homem adivinhava sua boca endurecida. A criança, não se sabia por que obscura compreensão, também olhava fixo para a frente, surpreendida e ingênua. Vistas de cima as duas figuras perdiam a perspectiva familiar, pareciam achatadas ao solo e mais escuras à luz do mar. Os cabelos da criança voavam...

O marido repetiu-se a pergunta que, mesmo sob a sua inocência de frase cotidiana, inquietou-o: aonde vão? Via preocupado que sua mulher guiava a criança e temia que neste momento em que ambos estavam fora de seu alcance ela transmitisse a seu filho... mas o quê? "Catarina", pensou, "Catarina, esta criança ainda é inocente!" Em que momento é que a mãe, apertando uma criança, dava-lhe esta prisão de amor que se abateria para sempre sobre o futuro homem. Mais tarde seu filho, já homem, sozinho, estaria de pé diante desta mesma janela, batendo dedos nesta vidraça; preso. Obrigado a responder a um morto. Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer. Agora mãe e filho compreendendo-se dentro do mistério partilhado. Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem. "Catarina", pensou com cólera, "a criança é inocente!" Tinham porém desaparecido pela praia. O mistério partilhado.

"Mas e eu? e eu?" perguntou assustado. Os dois tinham ido embora sozinhos. E ele ficara. "Com o seu sábado." E sua gripe. No apartamento arrumado, onde "tudo corria bem". Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis bem escolhidos, das cortinas e dos quadros? fora isso o que ele lhe dera. Apartamento de um engenheiro. E sabia que se a mulher aproveitava da situação de um marido moço e cheio de futuro - deprezava-a também, com aqueles olhos sonsos, fugindo com seu filho nervoso e magro. O homem inquietou-se. Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E porque sabia que ela o ajudaria a consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela calma mulher de trinta e dois anos que nunca falava propriamente, como se tivesse vivido sempre. As relações entre ambos eram tão tranqüilas. Às vezes ele procurava humilhá-la, entrava no quarto enquanto ela mudava de roupa porque sabia que ela detestava ser vista nua. Por que precisava humilhá-la? no entanto ele bem sabia que ela só seria de um homem enquanto fosse orgulhosa. Mas tinha se habituado a torna-la feminina deste modo: humilhava-a com ternura, e já agora ela sorria - sem rancor? Talvez de tudo isso tivessem nascido suas relações pacíficas, e aquelas conversas em voz tranqüila que faziam a atmosfera do lar para a criança. Ou esta se irritava às vezes? Às vezes o menino se irritava, batia os pés, gritava sob pesadelos. De onde nascera esta criaturinha vibrante, senão do que sua mulher e ele haviam cortado da vida diária. Viviam tão tranqüilos que, se se aproximava um momento de alegria, eles se olhavam rapidamente, quase irônicos, e os olhos de ambos diziam: não vamos gastá-lo, não vamos ridiculamente usá-lo. Como se tivessem vívido desde sempre.

Mas ele a olhara da janela, vira-a andar depressa de mãos dadas com o filho, e dissera-se: ela está tomando o momento de alegria - sozinha. Sentira-se frustrado porque há muito não poderia viver senão com ela. E ela conseguia tomar seus momentos - sozinha. Por exemplo, que fizera sua mulher entre o trem e o apartamento? não que a suspeitasse mas inquietava-se.

A última luz da tarde estava pesada e abatia-se com gravidade sobre os objetos. As areias estalavam secas. O dia inteiro estivera sob essa ameaça de irradiação. Que nesse momento, sem rebentar, embora, se ensurdecia cada vez mais e zumbia no elevador ininterrupto do edifício. Quando Catarina voltasse eles jantariam afastando as mariposas. O menino gritaria no primeiro sono, Catarina interromperia um momento o jantar... e o elevador não pararia por um instante sequer?! Não, o elevador não pararia um instante.


— "Depois do jantar iremos ao cinema", resolveu o homem. Porque depois do cinema seria enfim noite, e este dia se quebraria com as ondas nos rochedos do Arpoador.

Referências:

LISPECTOR, Clarice. Os Laços de Família. In: LAÇOS DE FAMÍLIA. Rio de Janeiro. Livro. São Paulo: Editora Rocco, 1998. p. 94.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Este Inferno de Amar - Almeida Garret

Este inferno de amar - como eu amo!-
Quem mo pôs n'alma... quem foi?
Esta cham que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói-
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonh talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão seran a dromi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! desperatar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

GARRET, Almeida Garret. Este Inferno de Amar

Será o Benedito! - Mário de Andrade

A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer:

— O hôme da cidade, chi!...

Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.

***

Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve:

— Mas será o Benedito! Não é assim, moço!

Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.

***

Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, "Será o Benedito!", com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. "Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que..."

— O que é isso?...

- É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos.

— Será o Benedito...

E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os "chauffeurs" (queria ser "chauffeur"...), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da República (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par.

Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:

— Morrer não quero, não sinhô... Eu fico.

E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus "chauffeurs", seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: "Mas será o Benedito!...”.  E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Mário de. Será o Benedito!. In: Será o Benedito!. Livro. São Paulo: Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992, pág. 66, uma colaboração de João Antônio Bührer e seus "Arquivos Impagáveis". Disponível em: <http://www.releituras.com/marioandrade_menu.asp> Acesso em: 06/03/2014. Labore citattum apud: © NOGUEIRA JR, Arnaldo. Projeto Releituras. São Paulo, 2014.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

SAUDADE

Saudade, um sentimento forte, límpido e intenso
De ares plácidos, que enveredam por nosso eu
Na falta do outro, de algo, do sentir
Sentimos uma ausência, mas o sentir no peito
De tão especial, por alguém que nos marcou,
Por alguém que vive, que gostamos,
Aprendemos à sonhar, estando com tal,
Feliz por vê-lo, com saudade para revê-lo,
Sentir o toque, curtir seu olhar,
Matar essa saudade, ao sentir e ver passar.

Ao olhar, lembrar, sentir, sonhar contigo
Eis que nosso coração acelera, e a aflição nos toma
As correntes que nos prendem se quebram, caem
E essa aflição cessa, desaparece, como um vento à passar
Um sentimento no ar, de saudade, nos torna vivos,
Sabendo que um dia iremos nos encontrar, quem sabe,
Em algum dia, em algum lugar, sei que estás bem,
Sei que estás aí, assim à me olhar, sentindo algo que especial
Que como chama aquece, que como um bálsamo perfuma,
Como à água que corre, num rio sem fim, com uma emoção no ar.

ALESSANDRO DE OLIVEIRA ARANTES

sábado, 10 de maio de 2014

UM OLHAR

Um silêncio
Um algo que nos inquieta
Um rastro de sentimento
Um tom no ar.

O Silêncio que nos rodeia
Presente e nos rodeia,
No ar sideral
No corpo espacial.

De sutileza bela,
Tranquila e que nos amedronta,
O símbolo de sossego e paz,
Que necessitamos para nos acalmar.

Como a luz que arde,
Como o som que é neutro,
Um ar de feixes
Ao mais fundo silenciar.

De tez tenebrosa,
Sutil, fria e sólida,
O medo de silenciar
E ficar oculto.

Nosso inconsciente nos mostra
Quando nos silenciamos
Eis a ele se manifestar
E nos fazer sonhar.

Um ar que nos dá a paz,
Como um toque, um sentimento no ar
Ao caminhar das águas
Ao soar dos sinos das catedrais.

No falar dos sons
Silenciando marcas
Que nos fazem lembrar
Da razão de tudo.

Oculta em nosso ser
Como uma chama que queima,
Uma energia vital e plena
Sentindo o princípio da vida

À luz, no oculto de nosso olhar
Janelas da alma
Ao grande passo a se guiar
Ao ponto final.

ALESSANDRO DE OLIVEIRA ARANTES

RASTROS (Poesia)

Pensamentos que voam,
Imagens que ilustram,
Começo de uma era,
Daquilo que é e será,
Num repouso de vida,
Solenemente à luz ilumina,
Serena e plena,
Alba luminosa,
Assim vem nos tocar.

Laços da perdição,
Cristais do ego,
Sonhos azúreos,
Resplandescer de ilusão,
Como assim se comporta,
A mais sincera canção,
O despertar de um ser,
Desejos, ares e vozes,
Num cantarolar de pássaros.

Num abismo de rosas,
Sinto um ar doce,
Sereno e úmido,
De toques suaves,
Sons leves e áridos,
No começo de uma canção,
Que diz o poeta,
Sereis à luz do mundo moderno,
Sereis um dom nessa dimensão.

Ao cantarolar das folhas,
Das perdizes esvoaçantes,
De alvorar belo,
Cânticos serenos,
És assim, uma casa,
Uma árvore e um doce lar,
Leveza e serenidade,
Ao simples despertar,
De uma nova manhã.

ALESSANDRO DE OLIVEIRA ARANTES

domingo, 20 de abril de 2014

O avarento que perdeu o tesouro

Se a posse consiste somente no gozo,
Ó vós que nos cofres dinheiro guardais,
Dizei que vantagens gozais sobre a Terra,
Que sejam vedadas aos outros mortais?

Diógenes no outro mundo
É mais rico de que vós,
Que neste, como o Sinópio,
Lidais em miséria atroz.

O rico de Esopo, que esconde o tesouro,
Exemplo no assunto nos pode prestar;
O triste supunha segunda existência
E nela esperava seus bens desfrutar.

Não possuía seu ouro;
O ouro é que o possuía.
Tinha ao solo confiado
Considerável maquia.

Só tinha por fito, prazer e recreio
Pensar, dia e noite, na soma enterrada.
E assim ruminando, só viu na riqueza
Relíquia, a si próprio defesa e vedada.

Indo, voltando, correndo,
Trazia sempre o sentido
No lugar, em que deixara
O seu tesouro escondido.

Mas dando mil voltas em torno do sítio,
Um dia foi visto por certo coveiro,
Que assim surpreendendo do fona o segredo,
No chão cavoucando, roubou-lhe o dinheiro.

Nosso avaro em certo dia
Vazia a cova encontrou;
Gemeu, suspirou, carpiu-se
E em pranto se debulhou.

Um, que passa, pergunta o motivo
Dessa grita. O avarento responde:
"— Ai! Roubaram meu rico tesouro!"
"— Um tesouro roubado! Mas donde?"


AVARENTO
"Era junto desta pedra."


TRANSEUNTE
"Por que escondê-lo na terra?
Por que trazê-lo tão longe,
Não sendo tempo de guerra?

Não era mais fácil guardá-lo no armário,
Num canto seguro de vosso aposento?
Assim poderíeis à mão conservá-lo,
Tirando-o em parcelas a cada momento."


AVARENTO
"A cada momento! Oh deuses!
Que temerária asserção!
Vem, como vai, o dinheiro?
Eu nunca lhe ponho a mão."

"Se assim sucedia (replica o sujeito)
Dizei-me, eu vos peço. por que vos carpis?
Se nunca tocáveis naquele dinheiro,
Não sei em que a perda vos torne infeliz.

Ponde uma pedra na cova
Que vos guardava o tesouro;
Será para vós o mesmo
Que um montão de prata ou ouro."

Referências:

PARANAPIACABA, Barão. O avarento que perdeu o tesouro. Tradução. Fábula. In: LA FONTAINE, Jean de, 1621-1695. Fábulas: antologia / La Fontaine. - 4. ed. - São Paulo: Martin Claret, 2012.

Extraído do livro:

LA FONTAINE, Jean de, 1621-1695. Fábulas: antologia / La Fontaine. - 4. ed. - São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cada autor; 200)

domingo, 6 de abril de 2014

O código morse e seu criador

O Código Morse foi inventado por Samuel Morse, que já em 1832 tinha construído um pequeno protótipo do telégrafo. Mas foi em 1838 que desenvolve o descobrimento nos interessa hoje; o código morse, um sistema de pontos e traços que serviu para comunicar através do som. Estas duas invenções combinadas por Samuel Morse, rendeu uma gran
de fortuna, com a qual comprou grandes propriedades e também fez algumas doações para as universidades e instituições de caridade.

No inicio para transmitir e receber mensagens em código Morse foi utilizado um dispositivo primitivo inventado em 1844 por Samuel Morse. Este aparelho consistia de uma chave de transmissão telegráfica, que serviu como um interruptor e de um eletroímã como um receptor de pontos e traços.

Cada vez que a tecla é pressionada para baixo com o dedos indicador e médio, se estabelecia contato elétrico que permitia transmitir os pontos do código. Os pulsos intermitentes que produziam ao apertar a chave telegráfica eram enviado para uma linha elétrica composta por dois fios de cobre. Estes cabos apoiados por estacas de madeira, se estendia por centenas de quilômetros de distância do ponto de origem da transmissão até ponto de recepção.

Quando em 1860 Napoleão III concedeu um justo prêmio de reconhecimento por sua invenção, nos Estados Unidos e na Europa já haviam numerosas instalação do código morse. Quando morreu, o continente americano estava cruzado por mais de 300 mil quilômetros de linhas.

Com a invenção do transmissor de base de ondas de rádio feita por Marconi, a partir do ano 1901, a transmissão de mensagens por telégrafo foi iniciada através de Wi-Fi, adaptando o mesmo sistema inventado por Morse. Esta nova forma de transmissão teve a vantagem de que não era necessário cabo e corre longas distâncias, de forma que os navios adotaram esta nova tecnologia para comunicar entre eles e com a terra.


BULHUFAS. Quem inventou o código morse e seu criador. Quem inventou. Artigo. [Blog]. Brasil: Bulfufas.com, 2011. Disponível em: http://www.bulhufas.com/quem-inventou/o-codigo-morse-e-seu-criador/ Acesso em: 06/04/2014.

ILUSÃO

Uma música,
Um leve brilho nesse luar,
Nessa escuridão da noite,
Que faz silenciar,
às luzes atenuar,
Ao som tênue dos grilos,
Dos sonhos, razões e sentimentos,
O mergulhar em nosso eu,
De travessões e pontos,
Traçando as vozes,
De polifonias ecoais,
Num mistério plúmbeo,
No alvorescer de uma ilusão.

Alessandro Arantes

quinta-feira, 6 de março de 2014

Será o Benedito! - Mário de Andrade

A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer:

— O hôme da cidade, chi!...

Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.

***

Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve:

— Mas será o Benedito! Não é assim, moço!

Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.

***

Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, "Será o Benedito!", com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais
perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. "Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que..."

— O que é isso?...

- É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos.

— Será o Benedito...

E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os "chauffeurs" (queria ser "chauffeur"...), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da República (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par.

Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:

— Morrer não quero, não sinhô... Eu fico.

E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus "chauffeurs", seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: "Mas será o Benedito!...”.  E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)

ANDRADE, Mário de. Será o Benedito!. In: Será o Benedito!. Livro. São Paulo: Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992, pág. 66. Disponível em: <http://www.releituras.com/marioandrade_menu.asp> Acesso em: 06/03/2014. Labore citattum apud: © NOGUEIRA JR, Arnaldo. Projeto Releituras. São Paulo, 2014.

Referência da imagem: http://editora.cosacnaify.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/06/ODILON.jpg

terça-feira, 4 de março de 2014

Televisão: um invento que dura até nossos dias

Em 26 de janeiro de 1926, John Logie Baird foi capaz de fazer a primeira emissão televisiva desde seu laboratório em Londres supervisionados pelos membros da Royal Institution e um jornalista britânico. As imagens que puderam ser vistas em uma televisão consistiu de uma gravação feita ao rosto de um manequim.
Anteriormente, em 25 de março de 1925, Baird tinha emitido uma imagem televisiva, no Departamento da loja Selfridges, em Londres. No entanto, como era uma imagem estática, não se considerou como uma retransmissão televisada.

A televisão, invenção de Baird, pode desenvolver graças aos avances anteriores como o disco de Nipkow, patenteado em 1884 pelo estudante alemão Paul Nipkow. Este disco, foi o primeiro sistema de televisão eletromecânica capaz de produzir uma imagem através de pequenos orifícios.


Em 1911, Boris Rosing e seu aluno Vladimir Kosma Zworykin, criaram outro sistema de televisão que realizava a digitalização de uma imagem por um espelho-tambor e transmitia através de um receptor com um tubo eletrônico de raios catódicos Braun

Ao contrário de outros sistemas eletrônicos, a imagem obtida por Baird em 1926, foi digitalizado verticalmente por um disco equipado com uma dupla-espiral de lentes que só tinham apenas 30 linhas, o suficiente para reproduzir um rosto humano reconhecível. Um ano depois de seu sucesso, Baird transmitiu um sinal de Londres para Glasgow, através de uma linha telefônica.

Em 1928, a empresa de Baird, Baird Television Development Company, ganhou o primeiro sinal de televisão transatlântica entre Londres e Nova York.

BULHUFAS, Televisão: um invento que dura até nossos dias. In: Quem inventou. [Artigo]. Blog. .Brasil: Bulhufas.com, 2011. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Os inventores do avião, fracassos e conquistas

O homem tentou desde os tempos antigos imitar o vôo dos pássaros e finalmente conseguiram graças o avião. No princípio pensavam que bastava ter asas e criou máquinas que chamava ornithopters. Durante séculos houve tímidas tentativas de voar, fracassando total na maioria deles, mas desde o século XVIII o homem começou a experimentar com os balões que foram capazes de se elevar no ar, mas tinha a desvantagem de não serem controlados.

Segundo as crónicas do século XVIII, o primeiro vôo bem sucedido de um balão de ar quente, foi graças ao Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Um Português nascido no Brasil na época colonial que conseguiu levantar vôo em um balão, que chamaria Passarola, em 08 de agosto de 1709 na corte de D. João V de Portugal, em Lisboa. Na demonstração, a Passarola subiu cerca de 3 metros acima do solo, deixando os observadores impressionado, e ganhando o apelido de Padre Volador.



Com a invenção do balão dirigível, os inventores começaram a tentar criar uma máquina mais pesada que o ar, era capaz de voar por meios próprios. Primeiro vieram os planadores, máquinas capazes de sustentar vôo controlado por algum tempo. Em 1799, George Cayley, um inventor Inglês, desenhou um planador relativamente moderno, que tinha uma cauda para controle, e um lugar onde o piloto pode ser posicionado abaixo do centro de gravidade do aparelho, dando assim estabilidade à aeronave. Cayley construiu um protótipo, que realizou seu primeiro vôo não-tripulado em 1804.

No século XIX, foram feitas tentativas de produzir um avião decolando por seus próprios meios. Mas a maioria deles eram de má qualidade, construídos por pessoas interessadas em aviação. Mas nenhum tinha os conhecimento dos problemas que solucionaram Lilienthal e Chanute.



Foram os irmão Wilbur e Orville Wright, que conseguiram desenvolver o primeiro avião no início do século XX, ou seja, o primeiro avião funcional, como esboços de sonhadores já existiam antes na história, como os de Leonardo da Vinci. Essa façanha foi realizada em 17 de dezembro de 1903. O avião se chamou Flyer. Então Kitty Hawk (Carolina do Norte), uma vez que naquela cidade fez o primeiro vôo. Então, mais tarde passou a desenvolver duas outras aeronaves, que foram batizadas como Flyer Flyer II e III.


Fundamentalmente, as mais modernas aeronaves de hoje seguem sendo construídas com base nos mesmos elementos que permitiram que os irmãos Wright e de Alberto Santos Dumont realizassem o primeiro voo no início do século XX: as asas que suportam o peso da aeronave e sua carga, as superfícies de cauda que servem para dar equilíbrio e direção. Usando controles apropriados, conseguimos variar a posição de algumas superfícies para que o avião suba, abaixe ou vire de um lado para outro.

Referências:

BULHUFAS, Blogue. Os inventores do avião, fracassos e conquistas. In: Quem Inventou. Artigo. Blog. Bulhufas.com, 2011.

Imagens: Google Images.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Vícios de linguagem

A gramática é um conjunto de regras que estabelece um determinado uso da língua, denominado norma culta ou língua padrão. Acontece que as normas estabelecidas pela gramática normativa nem sempre são obedecidas, em se tratando da linguagem escrita.  O ato de desviar-se da norma padrão no intuito de alcançar uma maior expressividade, refere-se às figuras de linguagem. Quando o desvio se dá pelo não conhecimento da norma culta, temos os chamados vícios de linguagem.


a) barbarismo: consiste em grafar ou pronunciar uma palavra em desacordo com a norma culta.
pesquiza (em vez de pesquisa)
prototipo (em vez de protótipo)


b) solecismo: consiste em desviar-se da norma culta na construção sintática.
Fazem dois meses que ele não aparece. (em vez de faz ; desvio na sintaxe de concordância)


c) ambiguidade ou anfibologia: trata-se de construir a frase de um modo tal que ela apresente mais de um sentido.
O guarda deteve o suspeito em sua casa. (na casa de quem: do guarda ou do suspeito?)


d) cacófato: consiste no mau som produzido pela junção de palavras.
Paguei cinco mil reais por cada.



e) pleonasmo vicioso:  consiste na repetição desnecessária de uma ideia.
O pai ordenou que a menina entrasse para dentro imediatamente.
Observação: Quando o uso do pleonasmo se dá de modo enfático, este não é considerado vicioso.



f) eco: trata-se da repetição de palavras terminadas pelo mesmo som.
O menino repetente mente alegremente.

CABRAL, Marina. Vícios de Linguagem. Gramática. Língua Portuguesa. Equipe Brasil Escola, 2012.

Expressões idiomáticas

Conceituam-se como expressões idiomáticas aquelas que, perante os estudos linguísticos, são destituídas de tradução. Pode considerar-se que fazem parte daquilo que chamamos de variações da língua, uma vez que retratam traços culturais de uma determinada região. Dotadas de um evidente grau de informalismo são geradas por meio das gírias e tendem a se perpetuar ao longo de toda uma geração.

Desta forma, ao analisarmos as imagens que seguem constatamos que estas nos remetem a dizeres já bastante conhecidos e até “cristalizados” no tempo. Observemos, pois: 

Assim, já ouvimos muitas que “fulano engoliu um sapo”, ou que “fulano pisou na bola”. Estas, assim como tantas outras revelam um discurso específico, uma vez que “engolir um sapo” significa receber uma “bronca” e “pisar na bola” revela uma atitude considerada inaceitável”. 

No intuito de aprofundarmos ainda mais nossos conhecimentos no que tange a este assunto, analisemos alguns casos representativos:

Armar um barraco – criar uma confusão em público.
Ao pé da letra – literalmente. 
Arregaçar as mangas – dar início a uma determinada atividade.
Bater as botas – falecer.
Boca de siri – manter um segredo referente a um determinado assunto.
Cara de pau – descarado, sem-vergonha.
Chutar o balde/chutar o pau da barraca – perder o controle, a calma. 
Descascar o abacaxi – resolver um problema complicado. 
Encher linguiça – enrolar, ocupar o tempo por meio da embromação.
Lavar as mãos – não se envolver com um determinado assunto.
Pé na jaca – cometer excessos (enfiar o pé na jaca). 
Quebrar o galho – improvisar. 
Segurar vela – atrapalhar o namoro. 
Trocar as bolas – atrapalhar-se. 
Trocar os pés pelas mãos - agir de modo desajeitado, apressadamente.

DUARTE, Vânia. Expressões idiomáticas. Gramática. Língua Portuguesa. Equipe Brasil Escola, 2012.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Homem Nú - Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:

— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.

— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.

— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.   Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.

Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:

— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.

Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!

Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:

— Maria, por favor! Sou eu!

Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.

Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.

— Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!

— Isso é que não — repetiu, furioso.

Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.

— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.

Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:

— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...

A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:

— Valha-me Deus! O padeiro está nu!

E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:

— Tem um homem pelado aqui na porta!

Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:

— É um tarado!

— Olha, que horror!

— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!

Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.

— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

Não era: era o cobrador da televisão.


SABINO, Fernando. O homem nú. Extraída do livro de mesmo nome, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 65. Disponível em: <http://www.releituras.com/fsabino_homemnu.asp>

PROTESTOS ABRINDO O VERÃO (Paródia)

PROTESTOS ABRINDO O VERÃO
Autor: Alessandro de Oliveira Arantes
Paródia da música: Águas de março (Tom Jobim)

É bomba, é pedra, é o pau do caminho
É um resto de placa, é um toco caindo
É um caco de vidro, é o povo, é o sol
É a noite, é a morte, é a revolta, é o caos
É o povo do campo, é o da casa de madeira
O cara da roça, do roço, ou da urbe, que nem leão.

É madeira ao vento, é o povo na ribanceira
É a revolta profunda, quer queira ou não queira
É o vento ventando, antes do fim da ladeira
É com viga no vão, no meio da pista, festa da revolução
É a chuva chovendo, e protesto rolando
Contra o desgosto e desmandos, pedindo o fim da roubalheira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Bandeira na mão, pedra e atiradeira
É um avião no céu, é uma carro no chão
É o governo chegando, desfilando na frente, com seu carrão
Mesmo no fundo do poço, perto do fim do caminho
No rosto o sorriso, é um pouco disfarce

É uma máscara, é um lata, é uma ponta, é um pau
É um pingo , pingando, é a chuva chegando, e molhando
É um rio, é um grito, é um raio brilhando
Em plena luz da manhã, são os tijolos chegando
É a chapa, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto do estádio, é o corpo na maca
É o carro enguiçado, que inflama, inflama

É um carro, é uma ponte, é um avião, é um urubu
É um resto de cerca, na luz da manhã
São os protestos da copa abrindo o verão
Se revoltando com o governo, sendo um cidadão.

É uma bandeira, é um pau, é Paulão, é José
É uma câmera mão, é um tênis no pé
São os protestos da copa abrindo o verão
Se revoltando com o governo, sendo um cidadão.

É uma máscara, é um lata, é uma ponta, é um pau
É um pingo, é a chuva, e o esgoto estourando
É um rio, são os carros, boiando na estrada
É um passo, é uma ponte, esgoto saindo
Trilho quebrando, lixo na via,
É uma picaretagem, é uma má administração

São os protestos da copa abrindo o verão
Se revoltando com o governo, sendo um cidadão,
Correndo atrás dos direitos de um cidadão.

sábado, 30 de novembro de 2013

Redação Oficial e Normatização Técnica - Links

Este link direciona a uma página da biblioteca do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, na qual constam textos, manuais e normas técnicas, pertinentes ao ambiente da Redação Oficial, além do mais, servem para as mais diversas esferas, dentre elas: administrativa, acadêmica, da pesquisa, e do cotidiano, e outras; aconselhamos dar uma visualizada e lida nos textos.  São 34 links com textos, manuais e normativas, para acesso público e gratuito.

Endereço do site: http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/redacao-oficial-e-normalizacao-tecnica-dicas/

Conteúdo:

Redação oficial e Normalização técnica - Dicas.


TEXTO 34 - A Reforma Ortográfica visa facilitar o processo de intercâmbio cultural e científico.

TEXTO 33 - Modelo de monografia pronta pelas normas da ABNT.

TEXTO 32 - Normas da ABNT para apresentação de projetos de pesquisa.

TEXTO 31 - Apostila completa de Redação Oficial.

TEXTO 30 - Manual para elaboração de Referencia bibliográfica - NBR 6023.

TEXTO 29 – Recomendações para produzir um bom artigo de opinião.

TEXTO 28 - Estilo de Normalizar de Acordo com as Normas ABNT.

TEXTO 27 - Manual de orientações para elaboração de trabalhos técnico-cientificos e referências bibliográficas.

TEXTO 26 - Manual de Redacao Oficial - ano 2008.

TEXTO 25 - Modelo de trabalho cientifico pronto nas Normas da ABNT.

TEXTO 23 - Modelo capa e folha de rosto pelas Normas da ABNT.

TEXTO 22 - Técnicas de redação.

TEXTO 21 - O uso de Pronomes de Tratamento.

TEXTO 20 - Pronomes de tratamento na redação oficial.

TEXTO 18 - Slide - Curso de aperfeiçoamento linguistico e técnicas de redação oficial.

TEXTO 17 - Dicas de Redação Oficial.

TEXTO 16 - Modelo de Projeto de Lei Complementar.

TEXTO 15 - Modelo de Oficio-Circular.

TEXTO 14 - Modelo de Memorando.

TEXTO 13 - Modelo de Oficio.

TEXTO 12 - Modelo de Mensagem.

TEXTO 11 - Modelo de Instrução Normativa.

TEXTO 10 - Modelo de Justificacão.

TEXTO 9 - Modelo de Encaminhamento de Fax.

TEXTO 7 - Modelo de Efeito Suspensivo de Recursos.

TEXTO 6 - Modelo de Decisao Normativa.

TEXTO 5 - Modelo de Comunicado.

TEXTO 4 - Modelo de Aviso de Licitacao.

TEXTO 3 - Manual de redação da Presidência da República

TEXTO 2 - Dicas para elaborar um texto no padrão oficial.

TEXTO 1 - Redação Oficial é diferencial que amplia chances de alcançar a carreira pública.

TEXTO 24 - Modelo de referencia bibliografica nas Normas da ABNT.

TEXTO 19 - Slide sobre Redacao Oficial.

TEXTO 8 - Modelo de Emenda Regimental.

Referências:

PLANEJAMENTO, Ministério. Redação oficial e Normalização técnica - Dicas. In: Textos. Biblioteca temática. Brasília: Biblioteca MP, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/redacao-oficial-e-normalizacao-tecnica-dicas/> Acesso em: 30 de novembro de 2013.