sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Por uma compreensão do conceito de polifonia

A discussão a respeito do princípio jornalístico de abarcar uma multiplicidade de perspectivas ao relatar os diferentes fatos do mundo social tem muito a ganhar a partir de um enfoque que considere o conceito de polifonia cunhado pelo filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudos

Esse termo, originalmente musical, surge em sua obra quando ele se propõe a compreender a forma como os romances do autor russo Fiodor Dostoiévski, incorporavam em si diferentes visões de mundo:

A multiplicidade de vozes e consciências independentes e miscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da consciência uma do autor, se desenvolve nos seus romances; é precisamente a multiplicidade de consciências equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade (BAKHTIN, 1997, p. 4 – grifos do autor)

Acreditamos que a compreensão mais clara sobre essa “autêntica polifonia” que Bakhtin afirma estar presente na obra de Dostiévski pode ser alcançada a partir da recuperação da noção musical de “polifonia”. Esta, entendida como uma técnica de “superposição de linhas melódicas” (WISNIK, 2007, 110), não ocorre toda vez que um cantor ou instrumento produzem sons simultâneos. Para que ela efetivamente exista não pode haver uníssono, ou seja, uma mesma sequência de sons interpretada por fontes diferentes, mas sim a execução paralela de sequências sonoras (melódicas) distintas. Ora, tomando em conta o conceito musical é claramente possível fazer uma analogia entre as “linhas melódicas” e o que Bakhtin chama de “multiplicidades de consciências”. Nesse sentido, a “autêntica polifonia” no campo da linguagem estaria presente quando o discurso traz em si mais de um ponto de vista e não quando vários indivíduos, “em uníssono”, compartilham da mesma visão de mundo. Bakhtin propõe, por essa perspectiva, uma oposição entre o romance monológico e o polifônico, deixando claro que a existência de diferentes personagens não garante a ocorrência da polifonia caso esses seres compartilharem da mesma “consciência”.

Tal reflexão literária desenvolvida por ele no fim dos anos 1920 continua sendo bastante atual. Por um lado, foi incorporada e redirecionada pela linguística da enunciação e, por outro, mostrou-se surpreendentemente convergente com reflexões da escola francesa de Análise do Discurso a respeito da constituição e das fronteiras entre os diferentes discursos sociais.

Referências:

http://www.unicentro.br/redemc/2010/Artigos/A%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20de%20uma%20teoria%20polif%C3%B4nica

%20do%20discurso%20para%20a%20reflex%C3%A3o%20sobre%20o%20papel%20das%20ONGs%20na%20con.pdf

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