domingo, 15 de agosto de 2010

Murilo Mendes

INDICAÇÃO

Sim: o abismo oval atrai meus pés.
Leopardo familiar, a manhã se aproxima.
Preciso conhecer em que universo estou
E a que translações de estrelas me destinam.
Em três épocas me observo sustentado:
Na pré-história, no presente e no futuro.
Trago sempre comigo uma morte de bolso.
Assalta-me continuamente o novo enigma
E uma audácia imprevista me pressinto.

Arrasto minha cruz aos solavancos,
Tal qual profunda mulher amada e odiada,
Sabendo que ela condiciona minha forma:
E o tempo do demônio me respira.
Gentilíssima dama eternidade
Escondida nas raízes do meu ser,
Campo de concentração onde se dança,
Beatitude cortada de fuzilamentos...
Retiram-me o véu que sei de mim.
Ontem sou, hoje serei, amanhã fui.

A MÃE DO PRIMEIRO FILHO

Carmem fica matutando
no seu corpo já passado.

— Até à volta, meu seio
De mil novecentos e doze.
Adeus, minha perna linda
De mil novecentos e quinze.
Quando eu estava no colégio
Meu corpo era bem diferente.
Quando acabei o namoro
Meu corpo era bem diferente.
Quando um dia me casei
Meu corpo era bem diferente.
Nunca mais eu hei de ver
Meus quadris do ano passado...

A tarde já madurou
E Carmem fica pensando.

O homem, a luta e a eternidade


Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!


Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.

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