quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A poesia de Cesário Verde - Literatura Portuguesa II - conteudo para a atividade.

A poesia de Cesário Verde é a de um artista plástico, enamorado do concreto, que perambula pela cidade ou pelo campo e descreve de modo vivo e exato as suas experiências. Esta objetividade da sua obra poética não impede todavia a expressão de ideias e sentimentos que o definem: o amor pela atividade útil, saudável, o respeito pela ciência positiva do seu tempo, a confiança no progresso, a solidariedade com os humildes, vítimas de injustiças sociais.
A expressão da realidade objetiva é, contudo, extremamente conotativa; apesar do poeta se empenhar no real, a visão subjetiva é marcante, há uma linguagem segunda a sugerir as impressões íntimas que tais realidades suscitam na sua alma. Em muitos dos seus poemas assiste-se à passagem constante do objetivo para o subjetivo. Assim, a poesia de Cesário Verde, se é expressão do real exterior, é, também, de conteúdo psíquico. Muito embora não tenha a pretensão de trazer fotografias da realidade para a literatura, o poeta deseja reduzir ao mínimo a interpretação subjetiva dessa realidade.

A poética de Cesário e as escolas literárias

Podemos afirmar a sua aproximação a várias estéticas. Assim, se se tiver em conta o interesse pela captação do real, pelas cenas de exterior, por quadros e figuras reais, concretos, plásticos e coloridos, é fácil detectar a afinidade ao Realismo. A ligação aos ideais do Naturalismo verifica-se na medida em que o meio surge determinante dos comportamentos. Pela objetividade dos temas, baseados na Natureza e no quotidiano, assim como pelas formas exatas e corretas, podemos ver afinidades com o Parnasianismo. Note-se a objetividade defendida por esta escola e pelo autor, mas a subjetividade presente nas suas composições (o poeta que sofre, que revela sentimentos e sensações – "Despertam-me um desejo absurdo de sofrer", "o gás extravasado enjoa-me, perturba"), o que constitui um desvio em relação à escola parnasiana. Por último, aproxima-se dos impressionistas que captam a realidade mas que a retratam já filtrada pelas percepções.

A mulher Pertencente à cidade, a mulher angélica encarna todas as qualidades do campo. O campo, na poesia de Cesário Verde, aparece como símbolo de vitalidade, trabalho, saúde, liberdade, vida. Sendo que a mulher do campo representa a pureza e a naturalidade, é uma mulher frágil, terna, ingênua e despretensiosa.

EXTRATO:

Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa de um café devasso,
Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tensões de oferecer-te o braço.

E, quando socorrestes um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, sudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,

E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és tênue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.


(postado pelo Professor Akailson Lennon em 27/01/10 às 15:20)

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