Quando deixamos de existir neste plano físico, o que sobra de nossa existência são as lembranças que deixamos nos que nos conheceram; o(s) fruto(s) do trabalho que tenhamos realizado; e no caso daqueles que deixaram descendentes, parte da herança genética, que continua ativa, podendo se reproduzir (mas só parte dessa herança permanece nos descendentes, a outra parte vem do outro progenitor, que, espera-se, tenha uma herança genética diversa da nossa).Em geral, a existência de um ser humano toca - e afeta - a de uns tantos ou quantos conhecidos. No decorrer da História, no entanto, alguns homens realizaram façanhas que afetaram as vidas de milhares, ou milhões de outros seres humanos. Em certos casos o impacto de tais façanhas só tem maior importância em relação aquele momento específico, em outros casos, o impacto se faz sentir por muitas gerações, chegando a ser decisivo em tudo que ocorre daquele momento em diante.As vidas de Buda e Jesus permanecem como paradigmas para bilhões de pessoas até hoje. Já a de Alexandre, o Grande, que por alguns anos governou a maior parte do mundo civilizado, se olharmos o mundo como era cem anos depois de sua morte, pode-se dizer que a História subseqüente teria sido diferente sem ele?Sobre tudo isso, podemos ler em 100 homens que mudaram a História do Mundo (Bill Yenne, Editora Prestígio Cultural). Nele temos breves biografias de nomes como Moisés, Gutenberg, Lutero, Lênin; a lista segue até Bill Gates.Este tipo de livro, "Os cem mais", tem pipocado em nossas livrarias, "Os 100 livros mais importantes", "Os 100 maiores cientistas", "100 batalhas que mudaram o Mundo", etc. Claro que tais títulos, pela falta de profundidade, tendem a diluir a História. Ler três páginas sobre Winston Churchill não torna ninguém um especialista na matéria – ora, o próprio Churchill escreveu seis volumes sobre a Segunda Guerra Mundial, na qual ele foi uma das figuras mais decisivas. Mas, apesar da diluição, como consta do prefácio escrito pela historiadora carioca Mary del Priore, “Sabemos, contudo, que não adianta ficar enrolado numa toga, isolado na torre de marfim da academia, ignorando as mudanças na mídia e no mercado editorial.” Apenas um parêntese: que foto terrível de Mary del Priore publicaram no livro. Ela está com o dedo indicador na boca, parece foto de pin up dos anos 40, não combina com uma professora universitária. E se não há foto do autor, por que haver foto de alguém que escreveu só o prefácio? Mas quanto ao conteúdo, gosto deste tipo de livro, com verbetes breves. Este especificamente, mais do que os outros de "cem mais" é adequado para alunos de segundo grau. E são bons para levar pro banheiro – e não há nada de pejorativo neste comentário, ao contrário do que possa parecer. São leitura leve e agradável.No caso específico de 100 homens que mudaram a História do Mundo, seria ainda mais agradável se tivesse ocorrido uma revisão decente. O conectivo “de” é volta e meia ignorado, a pontuação é falha e palavras que estão deslocadas na sentença entram assim mesmo (“Sidarta foi criado num ambiente luxuoso palácio e cercado de conforto material”, Pág. 25). Estamos falando da 2a. edição. Ou o "ambiente" ou o "palácio" teriam que ser cortados. Todo mundo erra, é claro; não é motivo para crucificar o livro. Nem o é quando Pasteur aparece grafado como “Paster” (uma única vez).A seleção dos cem sujeitos importantes sempre poderá ser questionada. A inclusão de Charles Dickens, o número 67 da lista (que é cronológica e não por ordem de importância), parece-me exagerada. E como o autor é americano, inclui ali o nome de três dos "Pais da Pátria": Benjamin Franklin, George Washington e Thomas Jefferson. Bastaria um dos três: Washington; os outros dois poderiam ser mencionados no verbete. Mas a coisa vai bem até John Kennedy. Só que no final, cede-se ao politicamente correto e inclui-se Nelson Mandela e Gorbachev.Mandela é importante pra África do Sul e pro movimento negro internacional, mas seu peso na política mundial é pequeno. E Gorbachev e sua política foram apenas uma reação à falência da URSS na década de 1980, conseqüência da política de investimentos militares do governo Reagan nos EUA. Se algum dentre estes dois deveria entrar, seria Reagan; mas Gorbachev é comuna e mais simpático, fica-se com ele. O reverendo americano Martin Luther King Jr. aparece com justiça na lista, no número 97 - o primeiro Martin Luther, ou sua forma latinizada, Martinho Lutero (1483-1546), também consta, sob o número 43. Nosso querido Santos-Dumont também está lá, Brasil-sil-sil! Será que na edição original americana era o nome dele que aparecia ou os dos irmãos Wright? Outros nomes do século XX que poderiam figurar: D. W. Griffith – o criador da linguagem narrativa no cinema, mas também malvisto por ter louvado o segregacionismo racial em seu filme O Nascimento de uma Nação (1915); Walt Disney, que mudou a noção mundial de entretenimento. Desde a década de 1960 todas as pessoas inseridas no século XX, o que exclui os miseráveis e os tribais, foram criadas assistindo a desenhos animados. John Rock e Gregory Pincus, os homens que inventaram a pílula anticoncepcional. E pessoas sobre as quais não costumamos pensar, mas sem as quais a vida na Terra seria muito pior: os cientistas que criaram adubos nitrogenados e pesticidas para controles de pragas agrícolas, que permitiram um salto da produtividade nos anos 1950/60. E Ju-Yung Chung (ou Chung Ju-Yung), criador da Hyundai, a maior empresa de capital privado de um país não-desenvolvido e fator decisivo no progresso econômico do mesmo (a Coréia do Sul; a empresa começou como construtora de navios já há uns sessenta anos). Entre os cem homens listados, apenas duas famílias têm a honra de ter mais de um membro. Julio César e seu sobrinho-neto Augusto; e os americanos Roosevelt, Theodore e Franklin Delano (primos). Curioso que, com tantas dinastias ocupando o poder por séculos na Europa, haja tão poucos parentes. É aí que entra justamente o que falei sobre o que sobra de um homem depois que ele morre: são as lembranças que deixamos nos que nos conheceram; o(s) fruto(s) do trabalho que tenhamos realizado. Já vimos que a vocação para grandeza não passa necessariamente de pai para filho. Ainda que Bach (número 52 da lista), Mozart (número 59), Beethoven (60) e Picasso (87) tenham sido iniciados em seus ofícios pelos respectivos pais. Mas a grandeza, ou vontade de potência – e já que usamos este termo, Nietzsche não está na lista - pode passar de um mestre para um pupilo, vejam a seqüência: Sócrates deu aula para Platão, que deu aula para Aristóteles, que deu aula para Alexandre, o Grande. Todos os quatro estão na lista. Tudo bem que Alexandre era filho de Felipe II da Macedônia, um rei que realizou grandes conquistas e teve a sabedoria de chamar Aristóteles para ser professor de seu filho. Mas Felipe II não está na lista. E quinze séculos mais tarde, São Tomás de Aquino, o número 32, retomou o trabalho de Aristóteles, adaptando-o ao Cristianismo. E quatro séculos adiante, Descartes (o 49) mergulhava em S. Tomás. As idéias vivem, se alteram, se adaptam. É este o legado que fica. Mas não esqueçamos que monstros constam da lista. Por mais que os odiemos, não podemos negar sua importância histórica: Hitler, Stálin, Mao Tsé-Tung, assassinos de milhões, estão todos lá.Só uma curiosidade que particularmente me interessou, envolvendo Samuel Morse (no. 63), o inventor do telégrafo, e o já citado Louis Pasteur (no. 70), que descobriu o processo para conservar leite e bebidas alcoólicas que recebeu seu nome, a pasteurização, e além disso desenvolveu vacinas contra doenças graves, como a raiva. Ambos foram artistas e professores de desenho, antes de partirem para a ciência. Bem, não deveria ser surpresa, Leonardo Da Vinci (36 da lista), também era artista e cientista. Até Hitler dava suas pinceladas. Morse e Pasteur fizeram bem em abraçar a ciência. Não seriam nunca artistas tão bons como o número 41, Michelangelo.
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