quinta-feira, 6 de março de 2014

Será o Benedito! - Mário de Andrade

A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer:

— O hôme da cidade, chi!...

Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.

***

Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve:

— Mas será o Benedito! Não é assim, moço!

Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.

***

Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, "Será o Benedito!", com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais
perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. "Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que..."

— O que é isso?...

- É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos.

— Será o Benedito...

E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os "chauffeurs" (queria ser "chauffeur"...), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da República (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par.

Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:

— Morrer não quero, não sinhô... Eu fico.

E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus "chauffeurs", seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: "Mas será o Benedito!...”.  E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)

ANDRADE, Mário de. Será o Benedito!. In: Será o Benedito!. Livro. São Paulo: Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992, pág. 66. Disponível em: <http://www.releituras.com/marioandrade_menu.asp> Acesso em: 06/03/2014. Labore citattum apud: © NOGUEIRA JR, Arnaldo. Projeto Releituras. São Paulo, 2014.

Referência da imagem: http://editora.cosacnaify.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/06/ODILON.jpg

terça-feira, 4 de março de 2014

Televisão: um invento que dura até nossos dias

Em 26 de janeiro de 1926, John Logie Baird foi capaz de fazer a primeira emissão televisiva desde seu laboratório em Londres supervisionados pelos membros da Royal Institution e um jornalista britânico. As imagens que puderam ser vistas em uma televisão consistiu de uma gravação feita ao rosto de um manequim.
Anteriormente, em 25 de março de 1925, Baird tinha emitido uma imagem televisiva, no Departamento da loja Selfridges, em Londres. No entanto, como era uma imagem estática, não se considerou como uma retransmissão televisada.

A televisão, invenção de Baird, pode desenvolver graças aos avances anteriores como o disco de Nipkow, patenteado em 1884 pelo estudante alemão Paul Nipkow. Este disco, foi o primeiro sistema de televisão eletromecânica capaz de produzir uma imagem através de pequenos orifícios.


Em 1911, Boris Rosing e seu aluno Vladimir Kosma Zworykin, criaram outro sistema de televisão que realizava a digitalização de uma imagem por um espelho-tambor e transmitia através de um receptor com um tubo eletrônico de raios catódicos Braun

Ao contrário de outros sistemas eletrônicos, a imagem obtida por Baird em 1926, foi digitalizado verticalmente por um disco equipado com uma dupla-espiral de lentes que só tinham apenas 30 linhas, o suficiente para reproduzir um rosto humano reconhecível. Um ano depois de seu sucesso, Baird transmitiu um sinal de Londres para Glasgow, através de uma linha telefônica.

Em 1928, a empresa de Baird, Baird Television Development Company, ganhou o primeiro sinal de televisão transatlântica entre Londres e Nova York.

BULHUFAS, Televisão: um invento que dura até nossos dias. In: Quem inventou. [Artigo]. Blog. .Brasil: Bulhufas.com, 2011.