domingo, 27 de maio de 2012

TABACARIA (15-01-1928)


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)




Não sou nada. 
Nunca serei nada. 
Não posso querer ser nada. 
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. 

Janelas do meu quarto, 
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é 
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), 
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, 
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, 
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, 
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres 
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens. 
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. 
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. 
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 
E não tivesse mais irmandade com as coisas 
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua 
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada 
De dentro da minha cabeça, 
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. 

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. 
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo 
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, 
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. 

Falhei em tudo. 
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. 
A aprendizagem que me deram, 
Desci dela pela janela das traseiras da casa. 
Fui até ao campo com grandes propósitos. 
Mas lá encontrei só ervas e árvores, 
E quando havia gente era igual à outra. 
Saio da janela, sento-me numa cadeira. 
Em que hei de pensar? 

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Gênio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu , 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. 
Não, não creio em mim. 
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas! 
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? 
Não, nem em mim... 
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo. 
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando. 
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - 
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, 
E quem sabe se realizáveis, 
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? 
O mundo é para quem nasce para o conquistar 
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. 
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. 
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, 
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. 
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, 
Ainda que não more nela; 
Serei sempre o que não nasceu para isso; 
Serei sempre só o que tinha qualidades; 
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, 
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, 
E ouviu a voz de Deus num paço tapado. 
Crer em mim? Não, nem em nada. 
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente 
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo, 
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. 
Escravos cardíacos das estrelas, 
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordamos e ele é opaco, 
Levantamo-nos e ele é alheio, 
Saímos de casa e ele é a terra inteira, 
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. 

(Come chocolates, pequena; Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) 
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei 
A caligrafia rápida destes versos, 
Pórtico partido para o Impossível. 
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, 
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro 
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas, 
E fico em casa sem camisa. 

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas, 
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, 
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, 
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, 
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, 
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, 
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -, 
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire! 
Meu coração é um balde despejado. 
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco 
A mim mesmo e não encontro nada. 
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. 
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, 
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, 
Vejo os cães que também existem, 
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, 
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) 
Vivi, estudei, amei, e até cri, 
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. 
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, 
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses 
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); 
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo 
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente. 

Fiz de mim o que não soube, 
E o que podia fazer de mim não o fiz. 
O dominó que vesti era errado. 
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. 
Quando quis tirar a máscara, 
Estava pegada à cara. 
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. 
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. 
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário 
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo 
E vou escrever esta história para provar que sou sublime. 

Essência musical dos meus versos inúteis, 
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse 
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, 
Calcando aos pés a consciência de estar existindo, 
Como um tapete em que um bêbado tropeça 
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. 

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. 
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada 
E com o desconforto da alma mal-entendendo. 
Ele morrerá e eu morrerei. 
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos. 
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também. 
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, 
E a língua em que foram escritos os versos. 
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. 
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente 
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, 
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra , 
Sempre o impossível tão estúpido como o real, 
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, 
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. 
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?) 
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. 
Semiergo-me enérgico, convencido, humano, 
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. 

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los 
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. 
Sigo o fumo como uma rota própria, 
E gozo, num momento sensitivo e competente, 
A libertação de todas as especulações 
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto. 

Depois deito-me para trás na cadeira 
E continuo fumando. 
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. 

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira 
Talvez fosse feliz.) 
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela. 

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?). 
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. 
(O Dono da Tabacaria chegou á porta.) 
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. 
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo 
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.


In Pessoa, F. (1981): Obra Poética, Rio de Janeiro: Ed. Aguilar


O gênero Notícia

A linguagem da notícia é objetiva, simples e direta. O jornalista usa palavras e expressões conhecidas pela maioria das pessoas, para facilitar a compreensão do leitor.


Notícia


É um gênero textual jornalístico.Na mídia impressa, seu veículo de comunicação são os jornais e as revistas. Já na televisão, rádio, não lemos notícias, mas podemos assistir, sendo narrada ou exibida nos telejornais, complementadas por imagens, e ouvi-las. E no jornalismo eletrônico as notícias estão em blogs e sites; onde a sua função é relatar os fatos e acontecimentos da maneira mais clara e objetiva possível. Não é qualquer fato que vira notícia, é necessário que ela seja interessante, que desperte curiosidade e que tenha importância para o público.


Características da notícia:


A estrutura da notícia é constituída de três partes: título, lide e corpo.


Título: tem a finalidade de atrair o leitor. Anuncia o assunto que será tratado com uma linguagem objetiva, empregando frases curtas e palavras de uso comum. Seus verbos em geral estão no presente. É comum a ausência de artigos e adjetivos. Termina sem ponto final.


Exemplo:


Adolescente ganha implante antigravidez em Porto Alegre (Folha de S. Paulo, 28 nov. 2006)


Desmatamento prejudica biodiversidade na Amazônia (Globo on-line, 28 nov. 2006)


Lide: é a abertura da notícia, que apresenta resumidamente os elementos fundamentais do fato que será detalhado o decorrer do texto. A leitura da lide permite ao leitor tomar conhecimento do fato essencial da notícia.


Corpo: é a continuação do relato. Ele traz informações mais detalhadas sobre os fatos relatados no lide.




Aula 1 - Gêneros Textuais - Parte 2  - 2º Bimestre - Português - 4º Período - Turmas A e B - EMBNT - 2012
Prof.º Graduado Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN/EMBNT)
Licenciado em Letras, habilitação em Lingua Portuguesa e suas literaturas.

Elementos dos Textos Narrativos

Os contos apresentam uma sequencia de eventos narrados por alguém, envolvendo personagens em um determinado lugar e em um determinado tempo. Os contos são constituídos por elementos que sempre são presentes nessas narrativas.

Personagens: são pessoas, animais, seres inventados pelo autor que participam da história. Mesmo quando uma personagem nasce inspirada em uma pessoas real, dizemos que é um ser de ficção.

Enredo: é o que acontece às personagens no desenrolar de uma história. Segundo Antônio Cândido, o enredo é construído em torno de uma série de acontecimentos que ocorrem dentro de um determinando período de tempo. Um enredo geralmente tem começo, meio e fim, mas os acontecimentos não precisam ser apresentados, necessariamente, nessa ordem. Cândido diz ainda que o escritor nos conduz de algo (a apresentação de um problema), por meio de algo (o enfrentamento do problema pela personagem), em direção a algo (as superação ou não do problema pela personagem). Essa parte é subdividida em: Parte introdutória, enrolar, o clímax, o desenrolar e a conclusão ou fechamento do enredo.

Lugar: é onde acontece a história. As personagens literárias atuam em espaços, reagindo ao mundo em que vivem. Esse elemento demonstra qual a realidade das personagens.

Tempo: é um elemento central na organização dos textos narrativos. As marcas temporais do texto indicam, na história, o que aconteceu antes e depois. Muitas vezes, os autores decidem não organizar os fatos cronologicamente.

Narrador: é quem conta a história. Uma história pode ser narrada em 1.ª pessoa ou em 3.ª pessoa. Quando narrada em 1.ª pessoa, o narrador participa dela. Quando narrada em 3.ª pessoa o narrador é onisciente e está fora da história, ou seja, não participa, apenas narra o que ocorre, conhecendo tudo e a todos no enredo, apenas observando o desenrolar da história.

Exemplo 1: Narrador em 1.ª pessoa

Nunca pude entender a conversão que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu com dezessete, ela trinta. Era noite de natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
                                                                                  ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: Ática, 1996. p. 99. (Fragmento.) 

Exemplo 2: Narrador em 3.ª pessoa

Era um homem. Era um desses homens que não resistem à pergunta: "Você é um homem ou um rato?" Era dos que não resistem porque, sem dúvida, quanto inquirido, não saberia o que responder.

                                                                         PORTO, Sérgio. Literatura comentada. São Paulo: Abril, 1981. p. 21. (Fragmento.) 


Tema do texto: os textos são construídos basicamente de duas formas. Alguns (textos não ficcionais) apresentam explicitamente o tema que vai ser tratado, explicando-o por meio de conceitos. Os textos literários, sobretudo os textos em prosa, como o conto, fábula e o romance, apresentam o tema escondido por trás do que acontece com as personagens na trama do enredo, por isso é importante aprender a reconhecer o tema do texto, mesmo que ele não seja explicito no texto.

Atividade Prática: 2,0 pontos (AT: 2,0 | FP: 1,0) - Em grupo

-Em grupo, os componentes irão criar um conto, onde cada um poderá caracterizar ou representar algum personagem no texto.


Trabalho:  6,0 pontos (AT: 3,0 | FP: 2,0 | TR: 3,0) - Individual ou em grupo

-Desenvolver um conto de narrativa curta (20 linhas), em primeira pessoa, onde o narrador participa da história, contando o fato.

-Desenvolver um conto de narrativa curta (20 linhas), em terceira pessoa, onde o narrador apenas conta a história.

Aula 3 - Português - Bimestre II - 5º Período EJA
Prof.º Graduado Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN/EMBNT)
Escola Municipal Benvinda Nunes Teixeira - Guamaré-RN

Gênero Textual Jornal (Parte II)

Organização básica do jornal impresso:

Os grandes jornais são organizados em partes impressas chamadas de cadernos, onde cada um deles abordam um assunto: política, esporte, economia, ciência e tecnologia, cultura, turismo, classificados e etc.

O nome dos cadernos variam de um jornal para outro, enquanto uns adotam nomes ou temas, outros adotam o nome da matéria, como por exemplo: no caderno de economia vem o título tal como dinheiro e balanço, etc.

Classificação dos elementos do jornal impresso:

Primeira Página: é considerada a vitrine, onde vem exposta os acontecimentos destacadas, e que são os principais do veículo, devendo ser bem diagramada, e visualmente organizada, para chamar a atenção do leitor, e fazer com que ele continue a leitura.


Capa do Jornal:

Cabeçalho: fica no início da página, onde se encontraram a logomarca, título/nome do jornal, edição, editorial, preço, ano, editor-chefe, numeração e data.

Manchete: título do fato jornalístico de maior importância para o jornal, vem escrito em letras grandes, no alto da primeira página. É a notícia que ganha destaque na primeira página, recebendo o nome de manchete de edição.

Chamada: é a parte onde as principais notícias vem resumidas na primeira página, sendo o texto curto e sintético.

Fotografia: é um elemento que tem como finalidade, chamar a atenção do leitor, igual a chamada; ela é a primeira coisa que o leitor nota ao ver a página.

Legenda: é uma frase curta, enxuta, onde visa comentar o que ou quem está na foto, relacionando-a com a notícia.

Crédito: é a indicação da origem e o autor de uma foto ou ilustração.

Recursos infográficos: são gráficos, tabelas, desenhos que ajudam na explicação de um acontecimento noticiado.

Variedade de Gêneros: eles fazem parte do jornal, assim como a notícia, que é o mais comum deles, existem também outros gêneros, como iremos ver na tabela abaixo:


                                             GÊNEROS TEXTUAIS JORNALÍSTICOS


Notícia                                            Editorial                                      Crônica

Reportagem                                    Artigo de opinião                         Palavra-cruzada

Artigo de divulgação científica         Resenha crítica                             Horóscopo

Previsão do tempo                          Carta do leitor                             História em quadrinho

Programação de lazer:
TV, Rádio, Cinema, Teatro,            Charge                                        Anúncio
Shows, Museus, etc.

Entrevista                                        Cartum                                        Propaganda


Origem do nomes: Jornal, Gazeta e Folha

Jornal: palavra que tem origem no termo latino diurnallis, que significa aquilo que é diário. Ex: Jornal do Brasil (RJ), Jornal do Povo (RS), Jornal de Londrina (PR), Jornal do Tocantins (TO).

Gazeta: palavra que vem do italiano Gazzetta, que era o nome de uma moeda italiana do século XVI. Empresas de comunicação adotaram este termo para representar o nome dos seus jornais. Ex: Gazeta Esportiva, TV Gazeta, Gazeta Mercantil (SP), Gazeta do Povo (PR), Gazeta de Alagoas (AL), Gazeta de Garanhuns (PE).

Folha: termo adotado por escritores antigos para designar jornal. Ex: Folha de São Paulo (SP), Folha Dirigida (RJ).


Atividade Prática: Valendo 2,0 pontos (AT: 2,0 | FP: 1,0)  

-Pesquisar notícias relevantes desta semana (internet, jornais impressos, revistas), no mínimo duas.
-Fotos que ilustrem as mesmas
-Próxima aula

Trabalho em Grupo: Valendo 6,0 pontos (AT: 3,0 | FP: 1,0 | TR: 3,0)

-Elaborar uma capa de jornal com essas notícias ou outras relevantes, conforme o modelo já citado, e seguindo a estrutura básica.

Aula 1 - Gêneros Textuais - Parte 2  - 2º Bimestre - Português - 4º Período - Turmas A e B - EMBNT - 2012
Prof.º Graduado Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN/EMBNT)
Licenciado em Letras, habilitação em Lingua Portuguesa e suas literaturas.


sexta-feira, 18 de maio de 2012

VENHA VER O PÔR DO SOL - Lygia Fagundes Telles


ELA SUBIU sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde.           
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.             
- Minha querida Raquel.  
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.         
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima   
Ele sorriu entre malicioso e ingênuo.           
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância...Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?        
- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? - perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. - Hem?!
- Ah, Raquel... - e ele tomou-a pelo braço rindo.       
- Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado...Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?              
- Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. - Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?    
Brandamente ele a tomou pela cintura.      
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.            
- Ver o pôr do sol!...Ah, meu Deus...Fabuloso, fabuloso!...Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério...
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.               
- Raquel minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura...         
- E você acha que eu iria?              
- Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada...- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento –Você fez bem em vir.      
- Quer dizer que o programa... E não podíamos tomar alguma coisa num bar?              
- Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.       
- Mas eu pago.   
- Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.       
Ela olhou em redor. Puxou o braço que ele apertava.             
- Foi um risco enorme Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Está farto de saber que tive meus casos. Se nos pilha juntos, então sim, quero ver se alguma das suas fabulosas idéias vai me consertar a vida.            
- Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque, meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado – prosseguiu ele, abrindo o portão. Os velhos gonzos gemeram. – Jamais seu amigo ou um amigo do seu amigo saberá que estivemos aqui.          
- É um risco enorme, já disse . Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros.
- Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram, que bobagem. Vem comigo, pode me dar o braço, não tenha medo...
O mato rasteiro dominava tudo. E, não satisfeito de ter se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrando-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com a sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando vagarosamente pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.             
- É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.             
- Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambigüidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa.  
- Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.       
Delicadamente ele beijou-lhe a mão.          
- Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.     
- É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.               
- Ele é tão rico assim?      
- Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro...
Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorriso reapareceu e as rugazinhas sumiram.
- Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?              
Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo.     
- Sabe Ricardo, acho que você é mesmo tantã...Mas, apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Palavra que, quando penso, não entendo até hoje como agüentei tanto, imagine um ano.        
- É que você tinha lido A dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora. Hem?
- Nenhum - respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada: - A minha querida esposa, eternas saudades - leu em voz baixa. Fez um muxoxo.- Pois sim. Durou pouco essa eternidade.
Ele atirou o pedregulho num canteiro ressequido.   
Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas...Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso.              
Ela aconchegou-se mais a ele. Bocejou.    
- Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim – Deu-lhe um rápido beijo na face. - Chega Ricardo, quero ir embora.
- Mais alguns passos...     
- Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! – Olhou para atrás. – Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
- A boa vida te deixou preguiçosa. Que feio – lamentou ele, impelindo-a para frente. – Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. – E, tomando-a pela cintura: - Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.      
- Sua prima também?      
- Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos...Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas...Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.        
- Vocês se amaram?        
- Ela me amou. Foi a única criatura que...- Fez um gesto. – Enfim não tem importância.              
Raquel tirou-lhe o cigarro, tragou e depois devolveu-o           
- Eu gostei de você, Ricardo.          
- E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença? 
Um pássaro rompeu o cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.     
- Esfriou, não? Vamos embora.     
- Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.               
Pararam diante de uma capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu de par em par. A luz invadiu um cubículo de paredes enegrecidas, cheias de estrias de antigas goteiras. No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombro do Cristo. Na parede lateral, à direita da porta, uma portinhola de ferro dando acesso para uma escada de pedra, descendo em caracol para a catacumba.      
Ela entrou na ponta dos pés, evitando roçar mesmo de leve naqueles restos da capelinha.       
- Que triste é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?    
Ele tocou na face da imagem recoberta de poeira. Sorriu melancólico.            
- Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo?
- Mas já disse que o que eu mais amo neste cemitério é precisamente esse abandono, esta solidão. As pontes com o outro mundo foram cortadas e aqui a morte se isolou total. Absoluta.         
Ela adiantou-se e espiou através das enferrujadas barras de ferro da portinhola. Na semi-obscuridade do subsolo, os gavetões se estendiam ao longo das quatro paredes que formavam um estreito retângulo cinzento.              
- E lá embaixo?  
- Pois lá estão as gavetas. E, nas gavetas, minhas raízes. Pó, meu anjo, pó- murmurou ele. Abriu a portinhola e desceu a escada. Aproximou-se de uma gaveta no centro da parede, segurando firme na alça de bronze, como se fosse puxá-la. – A cômoda de pedra. Não é grandiosa?             
Detendo-se no topo da escada, ela inclinou-se mais para ver melhor.              
- Todas estas gavetas estão cheias?           
- Cheias?...- Sorriu.- Só as que tem o retrato e a inscrição, está vendo? Nesta está o retrato da minha mãe, aqui ficou minha mãe- prosseguiu ele, tocando com as pontas dos dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta.
Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.          
- Vamos, Ricardo, vamos.               
- Você está com medo?   
- Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio!        
Ele não respondeu. Adiantara-se até um dos gavetões na parede oposta e acendeu um fósforo. Inclinou-se para o medalhão frouxamente iluminado:  
- A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato. Foi umas duas semanas antes de morrer... Prendeu os cabelos com uma fita azul e vejo-a se exibir, estou bonita? Estou bonita?...- Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente.- Não, não é que fosse bonita, mas os olhos...Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada.     
- Que frio que faz aqui. E que escuro, não estou enxergando...            
Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira.     
- Pegue, dá para ver muito bem...- Afastou-se para o lado.- Repare nos olhos.               
- Mas estão tão desbotados, mal se vê que é uma moça...- Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente.- Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil oitocentos e falecida...- Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel – Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti...
Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
- Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso? Brincadeira mais cretina! – exclamou ela, subindo rapidamente a escada. – Não tem graça nenhuma, ouviu?          
Ele esperou que ela chegasse quase a tocar o trinco da portinhola de ferro. Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás. 
- Ricardo, abre isto imediatamente! Vamos, imediatamente! – ordenou, torcendo o trinco.- Detesto esse tipo de brincadeira, você sabe disso. Seu idiota! É no que dá seguir a cabeça de um idiota desses. Brincadeira mais estúpida!               
- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.              
Ela sacudia a portinhola. 
- Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!- Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ensaiou um sorriso. - Ouça, meu bem, foi engraçadíssimo, mas agora preciso ir mesmo, vamos, abra...             
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque.
- Boa noite, Raquel.          
- Chega, Ricardo! Você vai me pagar!... - gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos!- exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
- Não, não...        
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
- Boa noite, meu anjo.      
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida.
- Não...  
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:               
- NÃO!   
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.

Lygia Fagundes Telles In: Antes do Baile Verde

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Gênero Textual Jornal

Conceito Básico:

Como os variados gêneros textuais, o jornal tem sido um dos que possuem uma importância enorme no cotidiano, por serem de cunho informativo. onde eles através da narrativa de um texto, seja visual, oral, imaginativo e com recursos gráficos, eles tem o papel de veicular uma informação.
Existem inúmeros tipos de jornais, mas todos eles tem o objetivo de manter o leitor informado sobre determinados fatos, assuntos, etc.
O público-alvo deles são variados, normalmente os jornais são divididos em seções, onde cada uma trata de uma área específica.

Características:

A imprensa em si não apenas relata, mas também comenta, interpreta os fatos. Dividem-se em:

Notícias: são os sub-gêneros que divulgam acontecimentos momentâneos.
Artigo de opinião: são os que além de tratar de uma fato noticiado, permite que o editor comente e demonstre sua visão sobre o fato, que seja parcial e pessoal em sua afirmação.
Editoriais: são aqueles que expressam a opinião de uma emissora, corporação ou grupo midiático, procurando dar uma opinião e defendendo um ponto de vista corporativo.
Crônica: são aqueles que além de entreter e informar, é uma narrativa curta que segue um tempo cronológico, demonstrando um acontecimento que cresce e vem se desenvolvendo até se concretizar.
Entrevista: são aqueles que são previamente preparados para que uma pessoa busque informações através de questionamentos para com alguém, ou um grupo de pessoas, onde depois elas farão parte de uma matéria jornalística.

Todos eles publicam um determinado ponto de vista, ou seja, são formadores de opinião, onde eles procuram impor indiretamente a verdade deles sobre um fato.
Por isso devemos ler e assistir a mais de um jornal, para termos mais de um ponto de vista, e poder formar uma opinião coerente.

Aula 1 - Gêneros Textuais - 2º Bimestre - Português - 4º Período - Turmas A e B - EMBNT - 2012
Prof.º Graduado Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN/EMBNT)
Licenciado em Letras, habilitação em Lingua Portuguesa e suas literaturas.



quarta-feira, 16 de maio de 2012

O gênero textual conto

Conceito Básico:

São narrativas ficcionais onde prevalecem a narrativa, ou seja, o conto apresenta uma sucessão de acontecimentos ,envolvendo um número limitado de personagens.
Há outros gêneros de texto que apresentam as mesmas características dos contos, entre eles a notícia e a crônica, onde a primeira tem como base manter o compromisso com a verdade, sendo imparcial, e não-ficcional; a segunda se assemelha com o conto, mas tendo intenções diferentes, mas possuem a mesma estérica de entreter e ensinar algo.
Todos os contos são ficcionais, exceto as narrativas policiais, contos que são baseados em fatos reais, e os que queiram demonstrar algo cotidiano, como a reportagem e o editorial.

Características:

Existem vários tipos de contos, que são estórias e não histórias, pois a primeira diz respeito apenas as narrativas de cunho ficcional, e histórias refere-se a narrativas onde os fatos são comprovados pela ciência, documentados e convencionada por algum grupo ou público científico.

TIPO                            EXEMPLO                            DEFINIÇÃO                       CARACTERÍSTICA

Narrativas         -----    Contos tradicionais    >>>>     Estória                            >   Contadas
Ficcionais                                                                                                                Narradas

Narrativas         -----    Histórias, fatos,          >>>>    História                           >   Documentadas
Não-ficcionais              Narrativas estudadas                                                           Comprovadas
                                                                                                                               Cientificamente

Tipos básicos:

Existem vários tipos de contos muitos comuns e amplamente usados pelos escritores, por ser um gênero muito antigo e versátil, eles são comumente divididos em contos populares (da tradição oral) e os contos literários.

Conto popular: é o relato produzido pelo povo e transmitido geralmente por meio da linguagem oral, o que mais se destaca "é o conto folclórico, também chamado de a estória, o causo (comum no interior paulista), onde ocorre no contexto do maravilhoso e até o sobrenatural" (Câmara Cascudo, 1954).
Apresentam temas diversos, mostrando a riqueza e criatividade do povo brasileiro, a maioria das histórias são adaptações das narrativas europeias e afro-lusitanas e as demais nativas.
Alguns desses contos ganham forma escrita, enquanto os demais são repassados oralmente, quando passam para a escrita, eles perdem características da fala, modos de dizer, expressão de um povo, grupos, a entonação, e outras marcas próprias, que são substituídas pela forma gramatical.

Conto literário: é um tipo ficcional que já nasce com uma formatação escrita, e com uma autoria definida. Por se tratar de uma obra de curta extensão, as personagens e as situações são menos complexas, do que o romance e a novela.
É o mais abrangente dos gêneros, pois elas duram por mais tempo, sobrevivendo na escrita, e por serem de autoria determinada.

Prática:

Você se lembra de alguma experiência marcante relacionada ao ato de contar ou ouvir histórias?

Atividade:

Escreva em seu caderno e depois conte-a para seus colegas, e socialize junto com o professor, buscando entender e diferenciar o tipo de texto.


Aulas 1 e 2 - Português - Bimestre II - 5º Período EJA
Prof.º Graduado Alessandro de Oliveira Arantes (NAESM/UERN/EMBNT)
Escola Municipal Benvinda Nunes Teixeira - Guamaré-RN

VIAGEM A PETRÓPOLIS - Clarice Lispector


Era uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo. Os olhos lacrimejavam sempre, as mãos repousavam sobre o vestido preto e opaco, velho documento de sua vida. No tecido já endurecido encontravam-se pequenas crostas de pão coladas pela baba que lhe ressurgia agora em lembrança do berço. Lá estava uma nódoa amarelada, de um ovo que comera há duas semanas. E as marcas dos lugares onde dormia. Achava sempre onde dormir, casa de um, casa de outro. Quando lhe perguntavam o nome, dizia com a voz purificada pela fraqueza e por longuíssimos anos de boa educação:
      - Mocinha.
      As pessoas sorriam. Contente pelo interesse despertado, explicava:
      - Nome, nome mesmo, é Margarida.
      O corpo era pequeno, escuro, embora ela tivesse sido alta e clara. Tivera pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por um tênue veludo branco. Quando lhe davam alguma esmola davam-lhe pouca, pois ela era pequena e realmente não precisava comer muito. Quando lhe davam cama para dormir davam-na estreita e dura porque Margarida fora aos poucos perdendo volume. Ela também não agradecia muito: sorria e balançava a cabeça.
      Dormia agora, não se sabia mais por que motivo, no quarto dos fundos de uma casa grande, numa rua larga cheia de árvores, em Botafogo. A família achava graça em Mocinha mas esquecia-se dela a maior parte do tempo. É que também se tratava de uma velha misteriosa . Levantava-se de madrugada, arrumava sua cama de anão e disparava lépida como se a casa estivesse pegando fogo. Ninguém sabia por onde andava. Um dia uma das moças da casa perguntou-lhe o que andava fazendo. Respondeu com um sorriso gentil:
      - Passeando.
      Acharam graça que uma velha, vivendo de caridade, andasse a passear. Mas era verdade. Mocinha nascera no Maranhão, onde sempre vivera. Viera para o Rio não há muito, com uma senhora muito boa que pretendia interná-la num asilo, mas depois não pudera ser: a senhora viajara para Minas e dera algum dinheiro para Mocinha se arrumar no Rio. E a velha passeava para ficar conhecendo a cidade. Bastava aliás uma pessoa sentar-se num banco de uma praça e já via o Rio de Janeiro.
      Sua vida corria assim sem atropelos, quando a família da casa de Botafogo um dia surpreendeu-se de tê-la em casa há tanto tempo, e achou que assim também era demais. De algum modo tinham razão. Todos lá eram muito ocupados, de vez em quando surgiam casamentos, festas, noivados, visitas. E quando passavam atarefados pela velha, ficavam surpreendidos como se fossem interrompidos, abordados com uma pancadinha no ombro: "olha!". Sobretudo uma das moças da casa sentia um mal-estar irritado, a velha enervava-a sem motivo. Sobretudo o sorriso permanente, embora a moça compreendesse tratar-se de um ricto inofensivo. Talvez por falta de tempo, ninguém falou no assunto. Mas logo que alguém cogitou de mandá-la morar em Petrópolis, na casa da cunhada alemã, houve uma adesão mais animada do que uma velha poderia provocar.
      Quando, pois, o filho da casa foi com a namorada e as duas irmãs passar um fim-de-semana em Petrópolis, levou a velha no carro.
      Por que Mocinha não dormiu na noite anterior? À idéia de uma viagem, no corpo endurecido o coração se desenferrujava todo seco e descompassado, como se ela tivesse engolido uma pílula grande sem água. Em certos momentos nem podia respirar. Passou a noite falando, às vezes alto. A excitação do passeio prometido e a mudança de vida, de repente aclaravam-lhe algumas idéias. Lembrou-se de coisas que dias antes juraria nunca terem existido. A começar pelo filho atropelado, morto debaixo de um bonde no Maranhão – se ele tivesse vivido no tráfego do Rio de Janeiro, aí mesmo é que morria atropelado. Lembrou-se dos cabelos do filho, das roupas dele. Lembrou-se da xícara que Maria Rosa quebrara e de como ela gritara com Maria Rosa. Se soubesse que a filha morreria de parto, é claro que não precisaria gritar. E lembrou-se do marido. Só relembrava o marido em mangas de camisa. Mas não era possível, estava certa de que ele ia à repartição com o uniforme de contínuo, ia a festas de paletó, sem falar que não poderia Ter ido ao enterro do filho e da filha em mangas de camisa. A procura do paletó do marido ainda mais cansou a velha que se virava com leveza na cama. De repente descobriu que a cama era dura.
      - Que cama dura, disse bem alto no meio da noite.
      É que se sensibilizara toda. Partes do corpo de que não tinha consciência há longo tempo reclamavam agora a sua atenção. E de súbito – mas que fome furiosa! Alucinada, levantou-se, desamarrou a pequena trouxa, tirou um pedaço de pão com manteiga ressecada que guardava secretamente há dois dias. Comeu o pão como um rato, arranhando até o sangue os lugares da boca onde só havia gengiva. E com a comida, cada vez mais se reanimava. Conseguiu, embora fugazmente, Ter a visão do marido se despedindo para ir ao trabalho. Só depois que a lembrança se desvaneceu, viu que esquecera de observar se ele estava ou não em mangas de camisa. Deitou-se de novo, coçando-se toda ardente. Passou o resto da noite nesse jogo de ver por um instante e depois não conseguir ver mais. De madrugada adormeceu.
      E pela primeira vez foi preciso acordá-la. Ainda no escuro, a moça veio chamá-la, de lenço amarrado na cabeça e já de maleta no chão. Inesperadamente Mocinha pediu uns instantes para pentear os cabelos. As mão trêmulas seguravam o pente quebrado. Ela se penteava, ela se penteava. Nunca fora mulher de ir passear sem antes pentear os cabelos.
      Quando enfim se aproximou do automóvel, o rapaz e as moças se surpreenderam com seu ar alegre e com os passos rápidos. "Tem mais saúde do que eu!", brincou o rapaz. À moça da casa ocorreu: "E eu que até tinha pena dela".
      Mocinha sentou-se junto da janela do carro, um pouco apertada pelas irmãs acomodadas no mesmo banco. Nada dizia, sorria. Mas quando o automóvel deu a primeira arrancada, jogando-a para trás, sentiu dor no peito. Não era só por alegria, era um dilaceramento. O rapaz virou-se para trás:
      - Não vá enjoar, vovó!
      As moças riram, principalmente a que se sentara na frente, a que de vez em quando encostava a cabeça no ombro do rapaz. Por cortesia, a velha quis responder, mas não pôde. Quis sorrir, não conseguiu. Olhou para todos, com olhos lacrimejantes, o que os outros já sabiam que não significava chorar. Qualquer coisa em seu rosto amorteceu um pouco a alegria da moça da casa e deu-lhe um ar obstinado.
      A viagem foi muito bonita.
      As moças estava contentes, Mocinha agora já recomeçara sorrir. E, embora o coração batesse muito, tudo estava melhor. Passaram por um cemitério, passaram por um armazém, árvore, duas mulheres, um soldado, gato! Letras – tudo engolido pela velocidade.
      Quando Mocinha acordou não sabia mais aonde estava. A estrada já havia amanhecido totalmente: era estreita e perigosa. A boca da velha ardia, os pés e as mãos distanciavam-se gelados do resto do corpo. As moças falavam, a da frente apoiara a cabeça no ombro do rapaz. Os embrulhos despencavam a todo instante.
      Então a cabeça de Mocinha começou a trabalhar. O marido apareceu-lhe de paletó – achei, achei! – o paletó estava pendurado o tempo todo no cabide. Lembrou-se do nome da amiga de Maria Rosa, daquela que morava defronte. Elvira, e a mãe de Elvira até era aleijada. As lembranças quase lhe arrancavam uma exclamação. Então ela movia os lábios devagar e dizia baixo algumas palavras.
      As moças falavam:
      - Ah, obrigada, um presente desses eu rejeito!
      Foi quando Mocinha começou finalmente a não entender. Que fazia ela no carro? Como conhecera seu marido e aonde? Como é que a mãe de Maria Rosa e Rafael, a própria mãe deles, estava no automóvel com aquela gente? Logo depois acostumou-se de novo.
      O rapaz disse para as irmãs:
      - Acho melhor não pararmos defronte, para evitar histórias. Ela salta do carro, a gente ensina aonde é, ela vai sozinha e dá o recado de que é para ficar.
      Uma das moças da casa perturbou-se: receava que o irmão, com uma incompreensão típica de homem, falasse demais diante da namorada. Eles não visitavam mais o irmão de Petrópolis, e muito menos a cunhada.
      - É sim, interrompeu-o a tempo antes que ele falasse demais. Olha, Mocinha, você entra por aquele beco e não há como errar: na casa de tijolo vermelho, você pergunta por Arnaldo, meu irmão, ouviu? Arnaldo. Diz que lá em casa você não podia mais ficar, diz que na casa de Arnaldo tem lugar e que você até pode vigiar um pouco o garoto, viu...
      Mocinha desceu do automóvel, e durante um tempo ainda ficou de pé mas pairando entontecida sobre as rodas. O vento fresco soprava-lhe a saia comprida por entre as pernas.
      Arnaldo não estava. Mocinha entrou na saleta onde a dona da casa, com um pano contra pó amarrotado na cabeça, tomava café. Um menino louro – decerto aquele que Mocinha deveria vigiar – estava sentado diante de um prato de tomates e cebolas e comia sonolento, enquanto as pernas brancas e sardentas balançavam-se sob a mesa. A alemã encheu-lhe o prato de mingau e aveia, empurrou-lhe na mesa pão torrado com manteiga. As moscas zuniam. Mocinha estava fraca. Se bebesse um pouco de café quente talvez passasse o frio no corpo.
      A mulher alemã examinava-a de vez em quando em silêncio: não acreditara na história da recomendação da cunhada, embora "de lá" tudo fosse de se esperar. Mas talvez a velha tivesse ouvido de alguém o endereço, até num bonde, por acaso, isso às vezes acontecia, bastava abrir um jornal e ver que acontecia. É que aquela história não estava nada bem contada, e a velha tinha um ar sabido, nem sequer escondia o sorriso. O melhor seria não deixá-la sozinha na saleta, com o armário cheio de louça nova.
      - Preciso antes tomar café, disse-lhe. Depois que meu marido chegar, veremos o que se pode fazer.
      Mocinha não entendeu muito bem, pois ela falava como gringa. Mas entendeu que era para continuar sentada. O cheiro de café dava-lhe vontade, e uma vertigem que escurecia a sala toda. Os lábios ardiam secos e o coração batia todo independente.. Café, café, olhava ela sorrindo e lacrimejando. A seus pés o cachorro mordia a própria pata, rosnando. A empregada, também meio gringa, alta, de pescoço muito fino e seios grandes, trouxe um prato de queijo branco mole. Sem uma palavra, a mãe esmagou bastante queijo no pão torrado e empurrou-o para o lado do filho. O menino comeu tudo e, com a barriga grande, agarrou um palito e levantou-se:
      - Mãe, cem cruzeiros.
      - Não. Para quê?
      - Chocolate.
      - Não. Amanhã é que é Domingo.
      Uma pequena luz iluminou Mocinha: Domingo? Que fazia naquela casa em vésperas de Domingo? Nunca saberia dizer. Mas bem que gostaria de tomar conta daquele menino. Sempre gostara de criança loura: todo menino louro se parecia com o Menino Jesus. O que fazia naquela casa? Mandavam-na à toa de um lado para outro, mas ela contaria tudo, iam ver. Sorriu encabulada: não contaria era nada, pois o que queria mesmo era café.
      A dona da casa gritou para dentro, e a empregada indiferente trouxe um prato fundo, cheio de papa escura. Gringos comiam muito de manhã, isso Mocinha vira mesmo no Maranhão. A dona da casa, com seu ar sem brincadeiras porque gringo em Petrópolis era tão sério como no Maranhão, a dona da casa tirou uma colherada de queijo branco, triturou-o com o garfo e misturou-o à papa. Para dizer a verdade, porcaria mesmo de gringo. Pôs-se então a comer, absorta, com o mesmo ar de fastio que os gringos do Maranhão têm. Mocinha olhava. O cachorro rosnava às pulgas.
      Afinal Arnaldo apareceu em pleno sol, a cristaleira brilhando. Ele não era louro. Falou em voz baixa com a mulher, e depois de demorada confabulação, informou firme e curioso para Mocinha:
      - Não pode ser não, aqui não tem lugar não.
      E como a velha não protestasse e continuasse a sorrir, ele falou mais alto:
      - Não tem lugar não, ouviu?
      Mas Mocinha continuava sentada. Arnaldo ensaiou um gesto. Olhou para as duas mulheres na sala e vagamente sentiu o cômico do contraste. A esposa esticada e vermelha. E mais adiante a velha murcha e escura, com uma sucessão de peles secas penduradas nos ombros. Diante do sorriso malicioso da velha, ele se impacientou:
      - E agora estou muito ocupado! Eu lhe dou dinheiro e você toma o trem para o Rio, ouviu? Volta para a casa de minha mãe, chega lá e diz: casa de Arnaldo não é asilo, viu? Aqui não tem lugar. Diz assim: casa de Arnaldo não é asilo não, viu!
      Mocinha pegou no dinheiro e dirigiu-se à porta. Quando Arnaldo já ia se sentar para comer, Mocinha reapareceu:
      - Obrigada, Deus lhe ajude.
      Na rua, de novo pensou em Maria Rosa, Rafael, o marido. Não sentia a menor saudade. Mas lembrava-se. Dirigiu-se para a estrada, afastando-se cada vez mais da estação. Sorriu como se pregasse uma peça a alguém: em vez de voltar logo, ia antes passear um pouco. Um homem passou. Então muito coisa muito curiosa, e sem interesse, foi iluminada: quando ela era ainda uma mulher, os homens. Não conseguia Ter uma imagem precisa das figuras dos homens, mas viu a si própria com blusas claras e cabelos compridos. A sede voltou-lhe, queimando a garganta. O sol ardia, faiscava em cada seixo branco. A estrada de Petrópolis é muito bonita.
      No chafariz de pedra negra e molhada, em plena estrada, uma preta descalça enchia uma lata de água.
      Mocinha ficou parada, espreitando. Viu depois a preta reunir as mãos em concha e beber.
      Quando a estrada ficou de novo vazia, Mocinha adiantou-se como se saísse de um esconderijo e aproximou-se sorrateira do chafariz. Os fios de água escorreram geladíssimos por dentro das mangas até os cotovelos, pequenas gotas brilharam suspensas nos cabelos.
      Saciada, espantada, continuou a passear com os olhos mais abertos, em atenção às voltas violentas que a água pesada dava no estômago, acordando pequenos reflexos pelo resto do corpo como luzes.
      A estrada subia muito. A estrada era mais bonita que o Rio de Janeiro, e sua muito. Mocinha sentou-se numa pedra que havia junto de uma árvore, para poder apreciar. O céu estava altíssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha muito passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol se estendia sobre um abismo verde. Então, como estava cansada, a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu.

      (in Legião Estrangeira, Clarice Lispector, Editora Rocco) 

TENTAÇÃO - Clarice Lispector


Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.        
   Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos. 
   Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.      
   Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.             
   A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam. 
    Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo. 
    Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.         
   Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos. 
   No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.  
   Mas ambos eram comprometidos.            
   Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada. 
   A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina. 
   Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
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Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

O PRIMEIRO BEIJO - Clarice Lispector

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.              
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:              
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.     
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.      
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.           
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.      
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.     
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.    
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.     
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.    
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.       
Ele a havia beijado.          
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...              
Ele se tornara homem.