segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Norma de referências - NBR 6023:2002

CONCEITO

Conjunto padronizado de elementos que permitem a identificação de um
documento, no todo ou em parte, nos diversos tipos de formato (livro, artigo de
periódico, CD, DVD, fotografia, mapa, documento on-line, ebooks, entre outros).

REGRAS GERAIS

A referência pode aparecer: no rodapé, no fim de texto ou de capítulo,em lista
de referências e antecedendo resumos, resenhas e recensões.
Os elementos da referência são retirados, normalmente, da folha de rosto
(verso e anverso) e capa do documento. Inclui-se, entre colchetes, a informação
tirada fora das fontes prescritas.
A pontuação deve ser uniforme para todas as referências. A separação das
várias áreas deve ser com ponto final, seguido de um espaço, representado nos
exemplos pelo símbolo Ø (1 espaço em branco).
O título deve ser destacado, de forma uniforme, em todas as referências de
um mesmo documento, utilizando-se os recursos tipográficos (negrito, itálico ou
grifo). Essa regra não se aplica a documentos sem indicação de autoria ou
responsabilidade, que devem ter a entrada pelo próprio título, com a primeira palavra
escrita em letras maiúsculas.

Nas listas, as referências “[...] são alinhadas somente à margem esquerda
do texto e de forma a se identificar individualmente cada documento, em espaço
simples e separadas entre si por um espaço duplo” (ou dois espaços simples). Em
notas de rodapé, devem ser “[...] alinhadas, a partir da segunda linha da mesma
referência, abaixo da primeira letra da primeira palavra, de forma a destacar o
expoente e sem espaço entre elas”, conforme o texto da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (2002a, p. 3).

NORMAS TÉCNICAS, Associação Brasileira de. Referências, apud Normas da ABNT, p.40, ABNT, 2009.

ESTILÍSTICA: A EXPRESSIVIDADE DA LÍNGUA

1. 1. CONCEITUAÇÃO DA ESTILÍSTICA

Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo por objeto o estilo, que remete a outra embaraçosa e infalível pergunta: o que é estilo?

1.1. VARIEDADE DE CONCEITOS DE ESTILO

· A palavra estilo, que hoje se aplica a tudo que possa apresentar características particulares, das coisas mais banais e concretas às mais altas criações artísticas, tem uma origem modesta.

· George Mounin reúne as definições de estilo em três grupos: 1) as que consideram estilo como desvio da norma; 2) as que julgam como elaboração; 3) as que o entendem como conotação.

· Nils Erik Enkvist as distribui em seis grupos: 1) estilo como adição; 2) estilo como escolha; 3) estilo como conjunto de características individuais; 4) estilo como desvio da norma; 5) estilo como características coletivas; 6) estilo como resultado de relações entre entidades linguísticas.

· Acrescente-se que, dos teóricos da Estilística, alguns só consideram o estilo na língua na língua literária, outros o consideram-nos diversos usos da língua; alguns relacionam o estilo ao autor, outros à obra, outros ao leitor, que reage ao texto literário; alguns se concentraram na forma da obra ou do enunciado, outros na totalidade forma-pensamento.

1.2. O APARECIMENTO DA ESTILÍSTICA

· A estilística surgiu nas primeiras décadas do século XX, graças, sobretudo a dois mestres que lideram duas correntes de grande importância: Charles Bally (1865-1947), doutrinador da estilística da língua, e Leo Spitzer (1887-1960), figura exponencial da estilística literária.

1.2.1. Estilística da língua

· Ampliando o campo de estudo do seu mestre Ferdinand de Saussure, Charles Bally volta-se para os aspectos afetivos da língua falada, da língua a serviço da vida humana, língua viva, espontânea, mas gramaticalizada, lexicalizada, e possuidora de um sistema expressivo.

· Bally distingue duas faces da linguagem: a intelectiva ou lógica e a afetiva; estuda os efeitos da afetividade no uso da língua; examina os meios pelos quais o sistema impessoal da língua é convertido na matéria viva da fala humana.

· Os efeitos expressivos, pelos quais o ser humano manifesta seus sentimentos e atua sobre o seu semelhante, são classificados em naturais e evocativos.

1.2.2. A Estilística como sociolinguística

· Entre os linguistas ingleses voltados para a Estilística, é oportuno mencionar que David Crystal e Derek Davy, que, embora não se prendam à corrente iniciada por Bally, apresentam alguns pontos comuns.

· Segundo estes autores, a Linguística é a disciplina acadêmica que estuda cientificamente a linguagem, e a Estilística é uma parte dessa disciplina que estuda certos aspectos da variação linguística.

· Os autores reconhecem que o primeiro passo na análise estilística é a apreensão dos traços estilísticos; e que é forçosamente intuitivo, mas o estilólogo deve falar objetivamente sobre eles.

1.2.3. A Estilística Literária

· É outra grande corrente da Estilística, iniciada por Leo Spitzer, também chamada idealista, psicológica e genética.

· A Estilística de Spitzer faz parte da reflexão, de cunho psicologista, sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum.

· O objeto da Estilística é bem amplo, global, abrangendo “o imaginativo, o afetivo e o conceitual”.

· Segundo Dâmaso Alonso Toda obra literária encerra um mistério e sua compreensão depende basicamente da intuição, podendo-se, entretanto, estudar cientificamente os elementos significativos presentes na linguagem.

· Há ainda três modos de compreender a obra literária, marcados por um crescente grau de precisão.

· O primeiro é o do leitor comum, uma intuição totalizadora, que se forma no processo da leitura e que reproduz a intuição totalizadora que deu origem à obra.

· O segundo é o do crítico, cujas qualidades de leitor são excepcionalmente desenvolvidas, tendo ele uma capacidade receptiva mais intensa e mais extensa que a comum.

· O terceiro é o da tentativa de desvendar os mistérios da criação de uma obra e dos efeitos dessa obra sobre os leitores.

· A tarefa da Estilística literária é examinar como é constituída a obra literária e considerar o prazer estético que ela provoca no leitor.

1.3. ESTILÍSTICA FUNCIONAL E ESTRUTURAL

· A Estilística se diz funcional, quando relacionada às funções da linguagem, e se desenvolve, em grande parte baseada nos estudos de Roman Jakobson.

· Rejeitando os termos Estilística e estilo, Jakobson os substitui por Poética e Função Poética, respectivamente.

· O objeto da Poética é esclarecer o que é que faz a mensagem verbal uma obra de arte; a distinção do que é artístico do que não é artístico.

· A função resultante do pendor para o emissor é a emotiva (ou expressiva), cuja realização mais pura é a interjeição.

· A função ligada ao canal é a fática, que diz respeito ao contato entre emissor e receptor.

· A função poética, que vem a ser o pendor para a própria mensagem, correspondendo à sua elaboração como um fim em si mesma, pode sobrepor-se às demais funções, ou ainda estar presente no texto sem ser a de maior proeminência.

· Aproximando a teoria de Jakobson da de Bally, podemos dizer que, enquanto para este a Estilística se concentra na função emotiva da linguagem em relação com a função intelectiva (referencial), para Jakobson a Estilística, ou Poética, se concentra na relação da Função Poética com as demais funções.

· Para explicar a realização da função poética, Jakobson entra na estruturação da frase e do texto (Estilística Estrutural), lembrando os dois modos fundamentais do comportamento verbal; a seleção (eixo paradigmático) e a combinação (eixo sintagmático).

· Jakobson mostra que o efeito poético repousa sobre uma combinação das duas estruturas: a análise da mensagem não deve dispensar a análise do sistema, o código.

· Riffaterre considera a Estilística um estudo exclusivo da mensagem, negando a pertinência estilística do sistema.

· O estilo é forma resultante da forma da mensagem e repousa sobre uma dupla série de procedimentos: uns decorrentes de uma convergência, e outros decorrentes dum contrastes de signos.

· Samuel Levin, aplicando o princípio da função poética de Jakobson, procura descrever as estruturas linguísticas que distinguem a linguagem da poesia da linguagem comum.

1.4. ESTILÍSTICA E RETÓRICA

· A Estilística despontou nas primeiras décadas deste século como uma disciplina de intenção mais ou menos científica, sem o objetivo prático de ministrar conselhos ou normas a quem fala ou escreve.

· A Retórica, que se ocupou da linguagem para fins persuasivos e artísticos.

· A acentuada valorização da palavra, do discurso, que impregna as falas dos heróis homéricos nos faz crer numa retórica assistemática.

· A Retórica é primariamente uma técnica de argumentação, mais do que de ornamentação.

· Ao tratar do estilo, afirma ser a clareza, que se alcança pelo emprego dos termos próprios.

· O orador deve adequar o estilo rasteiro como o empolado.

· Salienta também a importância do epítero e do diminutivo, aconselhando, contudo, a moderação no uso de um e outro.

· Muito pertinentes são também as considerações sobre o ritmo, o qual concorre para que o discurso ganhe majestade e realize a sua função de comover.

· Na Poética, Aristóteles trata da conceituação de poesia como imitação da realidade (mimese), dos gêneros poéticos (tragédia e epopéia, sobretudo) e da elocução poética, mencionando aspectos comuns a oratória, como clareza.

· O estudo da elocução chegará a sobrepor-se ao das demais partes da Retórica (invenção, disposição, ação e memória).

· Com a profunda mudança de idéias que se dá a partir do século XVIII (Romantismo), com a valorização do individual e repúdio de normas estabelecidas e da imitação como princípio artístico, a Retórica cai em desprestígio, passa até a ser ridicularizada.

· Por volta dos anos sessenta, pode-se presenciar um movimento de revalorização da Retórica, uma nova avaliação da sua contribuição ao estudo dos fatos da linguagem.

· Pierre Giraud, dá um balanço do seu legado: “A Retórica é a Estilística dos antigos; é uma ciência do estilo, tal como então se podia conceber uma ciência.

· É possível que esse julgamento seja excessivamente favorável, mas é inegável a importância da contribuição da Retórica para o conhecimento dos fatos da linguagem em geral e da linguagem artisticamente elaborada em particular.

· A Retórica é um conjunto de desvios suscetíveis de autocorreção, isto é, que modificam o nível normal de redundância da língua, transgredindo regras, ou inventando outras novas.

· O desvio criado por um autor é percebido pelo leitor graças a uma marca, e em seguida reduzido graças à presença de um invariante.

· O conjunto dessas operações, tanto as que se desenvolvem no ção desteprodutor como as que têm lugar no consumidor, produz um efeito estético específico, que pode ser chamado de ethos e que é o verdadeiro objeto da comunicação artística.

· A Retórica Geral toma exemplos, não são muito numerosos, quer da linguagem literária, quer da jornalística. É uma obra sobrecarregada de teoria, que exige do leitor certo tirocínio nos estudos linguísticos ou teóricos.

1.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

· Sendo muito numerosos os autores que se ocuparam ou que se vem ocupando de Estilística e Retórica, apresentando novas idéias e teorias, e não sendo a intenção deste trabalho fazer um histórico minucioso do seu desenvolvimento.

· Pela incursão feita através das obras mais significativas da Estilística e Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da primeira já se encontravam na segunda, como a de desvio e escolha.

· A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da Retórica: não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusivamente literários;

· As várias teorias estilísticas, cada qual com sua contribuição, podem ser compreendidas em dois grupos: as que consideram o fenômeno estilístico como objeto de pesquisa em si mesmo, e as que o consideram como o meio privilegiado de acesso à interioridade do escritor.

· O caráter científico da estilística – ou a sua pretensão de atingir o estatuto de ciência – advém do seu objetivo de explicar os usos da linguagem que ultrapassam a função puramente denotativa, com maior exatidão e sem o propósito normativo que caracterizou a Retórica.

Alessandro de O. Arantes, Maria Luiza e Maria da Conceição - Letras(NAESM/UERN)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Existe uma "língua brasileira"?

Vou tentar responder objetivamente e com a maior simplicidade possível. Aqui no Brasil, nós ainda falamos a língua portuguesa. Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que seria um modo brasileiro de usar a língua portuguesa.

É importante lembrar o que afirmaram alguns estudiosos: o professor Antenor Nascentes não falava em língua brasileira, e sim em “idioma nacional”; o mestre Gladstone Chaves de Melo falava em língua comum e variantes regionais; e o grande filólogo Serafim da Silva Neto afirmou que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal. Isso significa, portanto, que as diferenças maiores estão na linguagem do dia-a-dia.

O jornalista Barbosa Lima Sobrinho, no livro A língua portuguesa e a unidade do Brasil , resume bem: “Em poucas palavras, existe unidade na variedade de normas e de usos lingüísticos. E isso porque, se os morfemas gramaticais permanecem os mesmos, a língua não mudou, a despeito de qualquer variação de pronúncia, de vocabulário ou mesmo de sintaxe.”

O que existe na verdade são variantes lingüísticas:

- variantes geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar gaúcho, mineiro, baiano, pernambucano…);

- variantes socio-econômicas (vulgar, popular, coloquial, culta…);

- variantes expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).

Quem estiver interessado em ver o assunto analisado com maior profundidade poderá consultar os respeitadíssimos Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo , e a Moderna Gramática Portuguesa do nosso querido e eterno mestre Evanildo Bechara.

O importante mesmo é respeitar as diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou sintáticas. Vejamos rapidamente algumas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.

Uma diferença fonética bem “visível” é a pronúncia da vogais. Aqui no Brasil, nós pronunciamos bem todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a tendência é só pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são verdadeiramente átonas (= fracas). Uma conseqüência disso é a colocação dos chamados pronomes átonos (me, te, se, o, lhe, nos…). Em Portugal, por ter a pronúncia fraca, não se põe o pronome átono no início da frase: “Dê-me um cigarro”; no Brasil, como as vogais átonas são pronunciadas como se fossem tônicas, não temos nenhuma dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase: “Me dá um cigarro”. É assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao brasileiro, estou falando do brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e culturais. Não estou fazendo referência ao “povo” com aquela conotação pejorativa e discriminatória que alguns ainda atribuem à palavra.

Diferenças semânticas existem muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal, “uma bicha enorme” não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra conotação que algum brasileiro queira dar.

E diferenças sintáticas também existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio (“Estamos trabalhando”); em Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a trabalhar”). No Brasil, gostamos da forma “você”; em Portugal, usam mais o pronome “vos”: “Se eu lesse para você” e “Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo” é “falar com si mesmo”; em Portugal “falar consigo” é “falar com você”. Em Portugal, é freqüente o uso de “mais pequeno”; no Brasil, aprendemos que o certo é falar “menor”, que “mais pequeno” é “errado”.

E assim voltamos ao ponto de partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que me perdoem pela repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado. É uma questão de adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado quanto iniciar uma frase com um pronome átono em Portugal.

Por que eu teria de afirmar que alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o paulista prefere “farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo semáforo.

Fonte: Prof. Sérgio Nogueira Duarte
(Jornal do Brasil – 25/06/2000)

Disponível em: http://falabonito.wordpress.com/2006/12/08/existe-uma-lingua-brasileira/

O filósofo que deu vida à linguagem

Ao analisar o discurso na arte e na vida, Mikhail Bakhtin revolucionou a teoria linguística no século 20




Foto: Divulgação
Foto: filófoso

Mikhail Bakhtin foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte


Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos, ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-1938).


Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo - e não apenas como um sistema autônomo. "A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam", escreveu o filósofo.

Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Esse sujeito se vale do conhecimento de enunciados anteriores para formular suas falas e redigir seus textos. Além disso, um enunciado sempre é modulado pelo falante para o contexto social, histórico, cultural e ideológico. "Caso contrário, ele não será compreendido", explica a linguista Beth Brait, estudiosa de Bakhtin e professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas na capital paulista.

Nessa relação dialógica entre locutor e interlocutor no meio social, em que o verbal e o não-verbal influenciam de maneira determinante a construção dos enunciados, outro dado ganhou contornos de tese: a interação por meio da linguagem se dá num contexto em que todos participam em condição de igualdade. Aquele que enuncia seleciona palavras apropriadas para formular uma mensagem compreensível para seus destinatários. Por outro lado, o interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado, internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito).


http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/mikhail-bakhtin-498487.shtml

O PERCURSO DA AUTORIA

1 O QUE É PRECISO PARA SER AUTOR?

Num mundo institucionalizado, em que tudo é protocolado e registrado, onde o estado de direito impõe um patenteamento a toda forma de invenção, criação e produção, determina regras de “pertencimento”, instaura e regulamenta a apropriação, o processo de autorianão pode ficar na mera oralidade, sob pena do não reconhecimento, por falta da identificação, de alguém a quem possa ser imputada a autoria.

A autoria exige, sobretudo, uma responsabilidade. Mas essa responsabilidade não se restringe apenas ao sentido jurídico, ela se estende, também, e com igual rigor, perante a sociedade, à história e ao meio. Isto é, perante o contexto sócio-histórico em que se insere o autor.

Pensar o processo de autoria dentro desse estado de direito, significa pensar o processo de aquisição da escrita como uma de suas etapas, pois é através da articulação desse processo que o sujeito sai da posição de enunciador para se transformar em autor.

Essa etapa é por demais importante porque é o momento em que se deve despertar no aprendiz a consciência do simbólico, fazendo com que essa produção não seja apenas um aglomerado de frases descontextualizadas, mas uma manifestação discursiva na qual as marcas de autoria não sejam amplamente estabelecidas e onde se possa compreender as condições de produção e o processo em que se dá a ascensão por parte do sujeito, de seu papel de autor. Tal ascensão implica numa inserção do sujeito numa pressuposta realidade, em que o mesmo possa captar as manifestações culturais e os elementos que se fundem em sua própria construção, instaurando uma posição de responsabilidade no contexto histórico social e se colocando na origem do seu dizer.

Para apresentar-se como autor é preciso assumir diante das instituições (visto que a própria autoria é uma função institucionalizada) o papel social que se constitui a partir de sua relação com a linguagem e o mundo, tornar-se princípio do agrupamento, instituindo o domínio sobre as várias posições nas quais se instaura o sujeito, imprimindo a ele significações coerentes e dando sentido aos fatos.

É a organização da dispersão num todo coerente que faz com que a multiplicidade de representações possíveis do sujeito enquanto enunciador possa, num processo de conjunção, apresentar-se como autor na unidade e coerência de seu discurso.

Orlandi (1996), escrevendo sobre o processo de autoria, mais precisamente sobre a passagem enunciador/autor, fala de alguns controles e alguns tipos de mecanismos que se deve ter para a concretização dessa passagem: de um lado, os mecanismos do domínio do processo discursivo, no qual ele se constitui como autor e, de outro, os mecanismos do domínio dos processos textuais nos quais ele marca sua prática de autor.

Trata-se, portanto, de um autor que se manifesta através dos processos da escrita, isto é, um autor que deve ter, além dos domínios que lhe impõem as responsabilidades histórico-sociais, também a responsabilidade do conhecimento da prática do domínio da língua escrita.

2 SUJEITO–AUTOR E DISCURSO LITERÁRIO

Já foi dito (PÊCHEUX, 1995) que não há discurso sem sujeito, nem sujeito sem ideologia. Agora, na mesma esteira, diremos que todo discurso pressupõe um autor na sua materialidade, já que o sujeito como constitutivo da linguagem também se converte em sujeito-autor. O anonimato, por exemplo, não descarta a exigência de uma autoria – o que lhe falta é apenas a identificação.

Todo discurso pressupõe um autor, mas como se processa a autoria nas variedades discursivas?

O discurso da história parece-nos fundar-se sobre si mesmo no vai-e-vem do repetível e se faz discurso quando esse repetível é fato que reclama sentido. O discurso jornalístico, em acontecimento de interesse sócio-político que possa, de certa forma, constituir-se como notícia. O discurso religioso tem bases morais e doutrinárias e, ainda, o discurso político, que se fundamenta em regimes e formas de governo. De forma que todos esses discursos aparentam ter origem em algo muito sólido e objetivo, além de demonstrarem existência própria e material, pois pertencem a um mundo que, embora se apresente por meio de representações, torna-se inteligível simbolicamente, dando-nos a ilusão de uma realidade concreta. Quer dizer, estes discursos têm os mesmos princípios fundantes (constitutivos), ainda que versem sobre coisas completamente distintas.

E o discurso literário? Esse discurso tem uma peculiaridade ímpar. É que ele se constrói e materializa sobre um mundo imaginário (ficcional). O ponto de partida desse discurso é a ruptura com o mundo da realidade. Essa ruptura instaura-se a partir da criação de um universo imaginário projetado pelo autor que, para articular o discurso, institui a figura do sujeito-narrador, que passa a conduzir o processo narrativo.

O discurso literário parte de um imaginário e se historiciza ao adquirir sentidos, passando, a partir daí, a ter existência real pela linguagem no mundo da ficção. As Aventuras de Ulisses, por exemplo, na Odisséia, após o lendário conflito de Tróia, pode nunca ter existido no mundo dos acontecimentos reais, mas como materialidade lingüística é incontestável, porque a linguagem é princípio criador, capaz de instituir um universo; basta que o autor desdobre seu imaginário pondo a língua em funcionamento.

Mas esse imaginário não se restringe à pessoa do autor, pois este é também perpassado pelas ideologias e, ao mergulhar no percurso da narratividade, executa um movimento tenso entre o real e o irreal num desdobramento próprio de sujeito da narrativa.

O discurso narrativo, como qualquer outro discurso, é heterogêneo. Ao se analisar uma narrativa como isolada, sempre se deve ter presente, que uma narrativa se constitui na relação com outras não narradas, mas possíveis.

As abordagens lingüísticas têm estudado a tensão ocasionada por essa relação entre várias narrativas produzidas por um mesmo narrador-autor. Mariani (1998) diz que:

[...] há tensão entre a narrativa que, sendo contada, fica na memória com suas variações, e aquela que talvez pudesse ter sido contada, mas não o foi por injunções históricas ou inconscientes. Essa tensão, embora silenciada, encontra-se inscrita nas narrativas de fato produzidas, podendo transbordar em diferentes situações: na ordem da história e do social, por exemplo, silêncios e resistências podem eclodir a qualquer momento levando à reescritura do narrado em um processo que sai do presente em direção ao passado.

Neste caso, o narrador encontra-se na perspectiva da posição daquele que, sabendo da narrativa permitida ao seu grupo, pode fazê-la eclodir e transmiti-la como forma de saber a outros ouvinte/leitores: surge aí a responsabilidade e a coerência do dizer. Narrador, aqui, é autor e se faz representar pela linguagem. Mas a opacidade da linguagem contrasta com uma possível representação objetiva, institui a ambigüidade e se faz dicotômica enquanto língua e discurso.

Mariani (1998) afirma que é necessário desmitificar essas dicotomias: as fronteiras entre o literário e o não-literário devem ser abolidas. Segundo ela, o que está construído nessas fronteiras, com base nas dicotomias objetividade/subjetividade, denotação/conotação, é a presença da referência nos moldes de concepções idealistas de linguagem.

Mas Faye (1971) contraria essas concepções, ao provar que a narrativa não é só referência e, com uma visão pragmática e materialista, diz que narrar ou tornar conhecido é agir socialmente. Assim, não há dúvida de que o narrador deixa marcas no texto (discurso) e que essas marcas são visivelmente históricas e sociais, pois o narrador, ao produzir ação nessa “função ativa narrador-autor”, não fala objetivamente de algo, mas se auto-engendra num processo ilusório de produção de verdade.

Benjamim (1987) também evidencia a relação entre conhecimento e narração, aponta a comunhão narrador-narrativa, num todo constituído como sujeito e linguagem. O autor metaforiza essa relação dizendo: “a narrativa mergulha a coisa narrada na vida do narrador, para, em seguida, tirá-la dela. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso”. Há, neste caso, um processo de apropriação do conhecimento em que o narrador-autor assume o papel de uma consciência das consciências, para representá-la numa unidade discursiva carregada de multiplicidades sociais.

É necessário deixar claro que todo o processo narrativo se constitui numa ilusão da linguagem, pois a língua, por si só, já deixa claro a sua incompletude. Ou seja, ela não é capaz de explicar a si mesma, de forma objetiva, tendo que lançar mão de recursos que lhe possibilitem a ilusão de completude, como por exemplo, as modalidades autonímicas, no dizer de Authier-Revuz (1998) e a metáfora proposta por Pêcheux (1988), cuja ampliação nos leva a ultrapassar “o efeito de uma relação significante” e pensar numa ruptura em que o desdobramento da metáfora estende-se ao imaginário.

Pensar os efeitos de ilusão da linguagem pela ótica das modalidades autonímicas é tentar compreender as dobras enunciativas do dizer, onde o sujeito-autor nos parece emergir dessas dobras para uma espécie de “transcendência” metafórica porque, nesse ponto, a língua ganha espessura e estabelece uma dupla relação: de um lado, sujeito grudado à linguagem, depois língua em funcionamento (discurso), ampliando-se para autor; do outro, objeto real (referência), ampliando-se para um dizer do autor, que se desdobra sobre si mesmo metaforicamente, instituindo a imagem.

Do ponto de vista da Análise do Discurso – AD, o dizer sofre um deslocamento da dicotomia paradigma/sintagma, que sustentava tradicionalmente a reflexão sobre o uso da linguagem (ORLANDI, 1983) para o parafrástico/polissêmico, onde o parafrástico é o lugar do mesmo e o polissêmico, do diferente; como tratamos do discurso narrativo, outras dicotomias se apresentam, como não-literário/literário, denotativo/conotativo. Nesse ponto, estabelece-se uma correlação não-literário/denotativo e literário/conotativo, em que a primeira correlação é o lugar do conceito e a segunda, o lugar da desconstrução do real. Assim, a noção de sujeito que recobre um lugar, uma posição discursiva é, agora, a noção de autor, uma função da noção de sujeito responsável pela organização de sentidos, pela unidade do texto, produzindo o efeito de continuidade do sujeito. Para Orlandi (1996), a “função-autor é tocada de modo particular pela história: o autor consegue formular no interior do formulável e se constitui, com seu enunciado, numa história de formulações”.

Através dessa formulação, percebemos que a função-autor, como entidade subjetiva, movimenta-se nos meandros discursivos, produzindo o tecido de um mundo lingüístico-linguageiro não apenas para a representação do real, criando um mundo imaginário num espaço e tempo descontínuos, oscilando numa tensão que se estabelece entre um presente e um passado, um aqui e um lá, numa relação dinâmica que se opera no labirinto mental do narrador-autor.

O desencadeamento dessas atividades do autor numa constante tensão pelos caminhos dicotômicos, metonímicos/metafóricos, denotativo/conotativo, sempre estabelecendo uma ruptura por meio de desconstrução de uma realidade pré-construída, marca o processo de autoria e demonstra como se articula o autor no discurso literário, do qual passaremos a ver, a partir de agora, algumas peculiaridades.

3 O DISCURSO LITERÁRIO – ALGUMAS PECULIARIDADES

O discurso literário é um discurso conotado, porque se constitui através de uma articulação especial da linguagem, que tem como significante a própria linguagem cujo efeito é a ambigüidade entre uma realidade material e uma realidade ficcional.

A maneira como esse discurso se constrói, transforma incessantemente tanto as relações que as palavras mantêm consigo mesmas, utilizando-as além de seus sentidos restritos e além do sentido lógico do discurso usual, como estabelece com cada leitor/interpretante/autor, relações subjetivas que o tornam móvel, capaz mesmo de não apresentar nenhum sentido definido.

O discurso literário carrega em si a peculiaridade do enunciado poético, que pode se manifestar em sua estrutura fônica, rítmica e sintática, sugerindo significações e evocando correspondências entre termos que se tornam presentes na memória do autor, associando significantes lingüísticos a significados míticos e ideológicos, dando ao nível da consciência, os anseios do inconsciente coletivo.

O discurso literário é a configuração do mundo imaginário que se deslumbra/vislumbra na mente de quem o imagina. É um discurso “poroso”, cujas palavras nos parecem argolas que se interligam e se relacionam umas com as outras, em qualquer direção, em virtude de sua circularidade. É um discurso aberto a múltiplas interpretações. É um discurso que se compõe de uma multiplicidade de códigos, retóricos, míticos, culturais, etc., códigos estes que se articulam simultaneamente na composição de sua estrutura artístico- ideológica.

A heterogeneidade do discurso literário nos parece mais freqüente e visível a ponto de se confundir com o dialogismo bakhtiniano, por exemplo, mas há outras particularidades além do discursivo. O autor funciona não como entidade empírica, mas como uma função que se articula produzindo relações ou agrupando várias posições do sujeito (forma-sujeito do discurso), já construídas ideologicamente, como se numa seqüência de imagens, cujos efeitos de sentidos e as impressões visuais se convertem num efeito cênico.

Além dessas peculiaridades, nele estão presentes a estética, o estilo, a poeticidade e uma certa tensão dramática. O autor desse discurso se constitui como tal, não só pela capacidade de estabelecer a unidade discursiva, mas pela criação de um universo imaginário, e mais ainda, pela capacidade de articulação e “vivificação” desse universo no funcionamento da linguagem, pois a dinamicidade desse mundo se dá no espaço de tensão dramática, onde acontece o processo de unificação do dramático com o estético, o lingüístico e o poético, instituindo o percurso de discursividade literária.

4 AUTOR, RESPONSABILIDADE SOCIAL E LINGUAGEM

Foucault (1992) diz que a função-autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra, determina e articula o universo discursivo. Assim, entendemos que a função-autor, como a de sujeito, define-se na história e está sujeito aos processos de modificações, transformações e de coerção impostos pelos regimes institucionais.

Tal função não atua da mesma forma sobre todos os discursos em todas as épocas e em todas as formas de civilização. O ajustamento às várias etapas da história social, política e do pensamento humano confirma o caráter sócio-histórico da função-autor e daí por diante ele se define como entidade não empírica que, para colocar-se como autor, precisa estabelecer uma relação simultânea exterioridade/interioridade em que constrói sua própria identidade (de autor), assumindo o papel de autor e o que ele implica.

Reis & Lopes (1988), em “Dicionário de teoria da Narrativa”, tratando das questões inerentes ao autor, dizem que “o estatuto sócio-cultural do autor literário reflete-se no domínio da teoria e história da narrativa. Nesse contexto, o autor é entidade materialmente responsável pelo texto narrativo, sujeito de uma atividade literária, a partir da qual se configura um universo diegético”.

A condição de autor, segundo eles,

[...] liga-se estreitamente às várias incidências que atingem a autoria: a autoria compreende direitos e deveres ao mesmo tempo em que lhe confere uma certa autoridade, mas como tratamos do discurso literário, implica também, numa responsabilidade artística de trabalho com a linguagem, visto que o autor, enquanto produtor de linguagem, não pode eximir-se desse compromisso, ou seja, de colocar a linguagem em funcionamento se não da perspectiva do novo, mas sempre do diferente.

REFERÊNCIAS

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Maria Cristina Ramos Borges e Francisco Ferreira Moreira (PPGCL/Unisul 2006)

Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0402/10.htm

GÊNEROS DO DISCURSO OU TIPOS TEXTUAIS


Comunicar-se eficientemente parece, a princípio, algo fácil e simples a qualquer indivíduo, dada a agilidade e a habilidade que todos têm de usar a linguagem. No entanto durante esse processo realizado automaticamente, ou seja, sem uma real consciência do que subjaz à competência lingüística, não se questiona a seqüência de passos a percorrer para que se consiga realizar o complexo ato de comunicação por meio da língua.

Nesse sentido a comunicação seria extremamente difícil se, como diz Bakhtin (1997, p. 302), os indivíduos não dominassem os gêneros de discurso e tivessem de criá-los no processo de fala. As dificuldades da criação de um gênero a cada construção de enunciado de modo totalmente livre seriam sentidas na perda da agilidade do processo. Daí ser necessário admitir, com Bakhtin, que a língua se realiza por meio de enunciados (orais ou escritos). Dadas as diferentes situações de uso, os enunciados vão sendo organizados, agrupados em tipos - de acordo com a finalidade - e ensinados de forma a levar o aprendiz a tomar conhecimento dos diferentes tipos e a usá-los de acordo com os objetivos que têm em mente (Pasquier e Dolz, 1996).

Os enunciados - organizados e agrupados - são usados em toda e qualquer atividade humana. Essas atividades se caracterizam por condições especiais de atuação e por objetivos específicos, e, sendo inúmeras, cada esfera de atividade desenvolve tipos relativamente estáveis de enunciados que passam a ser comumente associados a elas. Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os enunciados conservam características comuns, daí serem considerados tipos relativamente estáveis. Bakhtin (1997) chama de gêneros de discurso essestipos estáveis de enunciados. Vale ressaltar que o termo gênero normalmente é associado aos estudos literários, daí a tendência, nos estudos lingüísticos, para o uso da expressão tipos de texto, considerada mais neutra (Silva, 1995).

Estando assentado que um passo no processo de comunicação é a escolha do tipo de texto, o que fica por verificar é quais são e como podem ser classificados os tipos de textos.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS TEXTUAIS

Num levantamento geral, Vilela (1999) abstrai os pressupostos que fundamentam as diferentes tipologias textuais existentes, classificando-as da seguinte maneira:

1) as que consideram as características textuais internas dos textos (ou formais);

2) as que consideram os traços textuais exteriores aos textos (ou funcionais);

3) as que conciliam traços internos e externos ao texto (formais e funcionais).

Conforme Vilela, uma problemática que se reflete no plano discursivo, e conseqüentemente na classificação dos tipos textuais, é proveniente da clássica dicotomia langue-parole de Saussure (1971). Frente a essa dicotomia, Bakhtin (1997) admite que a unidade de comunicação na fala é o enunciado, estando aí implicado um continuum entre os aspectos formais e funcionais do discurso, continuum este que Silva (1995) - por extensão - toma como base ao formular um “modelo de análise” e classificação de tipos textuais.

Mara Lucia Fabrício de Andrade (UNESP).

GÊNEROS E TIPOS: UMA APROXIMAÇÃO.

Disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/2/06.htm